O plano B

O Governo tem de começar rapidamente a pensar em pôr em prática o plano B, levando a sociedade a regressar ao normal. 

No domingo à noite, José Alberto Carvalho terminava o jornal da TVI (e o programa diário sobre a pandemia) com uma tirada lancinante.

Começou por dizer que uma pessoa importante na família, com 93 anos, falecera, e ele nem se pudera despedir dela convenientemente, pelas novas regras que vigoram nos funerais; depois falou do esforço titânico dos médicos que se deparam a todo o momento com situações terríveis nos hospitais, e perante isso criticou severamente as pessoas que saem de casa para ir passear ‘à beira mar’, desprezando o esforço dos médicos; e, finalmente, lembrou que em cada duas pessoas que entram nos cuidados intensivos uma morre.

Mudei de canal. 

Na SIC, o pivô entrevistava um médico português que trabalha em Boston, nos EUA, que dizia que não podemos «deixar-nos tomar pelo medo». E explicava: «Porque o medo é paralisante».

Sucede que as palavras de José Alberto Carvalho – penso que deliberadamente – queriam incutir o medo nas pessoas.

Para que fiquem em casa e não saiam.

E não duvido que ele o fez com a melhor das intenções; relevo, aliás, as suas excelentes qualidades profissionais.

Mas interroguei-me: o que pensará depois de ouvir isto uma pessoa que seja obrigada a sair de casa para trabalhar?

O que sentirá o empregado de supermercado, o camionista, o polícia, o carteiro, o operário de uma fábrica de material médico, que não pode ficar em casa?

Sentir-se-á em pânico; apetecer-lhe-á despedir-se para poder meter-se em casa e não sair.

E, se for alguém que ande a distribuir encomendas ao domicílio – seja correio ou comida -, o que pensará ao ver um jovem robusto e saudável abrir-lhe a porta para receber uma carta ou a refeição?

É inevitável que se interrogue: então ando eu a trabalhar, a arriscar-me, para aquele ficar metido em casa como um nababo, à espera que lhe levem as coisas? Não podia também fazer algum trabalho útil?

Sabemos que o coronavírus não provoca problemas graves a 80% dos infetados.

Sabemos quais são os grupos de risco: os idosos e os doentes crónicos.

Então por que não protegemos estes eficazmente – e não desleixadamente, como sucedeu em muitos lares de idosos – e deixamos os outros trabalhar?

Por que os mandamos ficar em casa?

Um destes dias assisti pela TV a uma cena indescritível: um guarda da GNR mandava parar um carro, lá dentro seguia um casal de idosos, o homem disse que ia ao correio e o guarda perguntou se precisavam de ir duas pessoas. O homem respondeu que a mulher não ficava em casa a fazer nada. Mas o guarda, inflexível, obrigou-o a dar meia volta e ir pôr a mulher a casa. Ora, se a mulher já estava no carro, tanto fazia voltar para casa imediatamente como daí a meia hora… E não lhe faria bem sair um pouco de casa para espairecer?

Também no fim de semana passado aconselhavam as pessoas que iam dar um passeio à margem Sul a voltarem para trás e meterem-se em casa. Mas porquê? Não seria mais inteligente deixarem-nas ir, aconselhando-as a não saírem do carro? O vírus não entra sozinho no automóvel…

Será imaginável que as pessoas, novos e velhos, fiquem em casa durante meses sem sair?

E se o fizerem que consequências isso terá – quer a nível mental da população, quer a nível económico?

Sabendo que há pessoas a viver em casas minúsculas, em quartos alugados, em sítios lúgubres, em condições dificílimas, como é possível não saírem de casa durante meses?

Percebe-se que o Governo tenha usado esse tratamento de choque para travar a progressão rápida da pandemia.

Tratava-se de controlar o primeiro impacto, evitando uma infeção generalizada que entupiria o sistema de saúde (e provocaria muitas mortes em simultâneo, criando uma situação de terror).

Mas o Governo tem de ter um plano B para as pessoas irem retomando a vida normal.

Com a paragem quase total da economia, a recessão vai ser brutal.

Restaurantes, companhias aéreas, hotéis, agências de viagens, fábricas de todo o género, comércio de rua, creches, está tudo parado; ora, se a recessão de 2008 levou a uma quebra entre 2 e 3% do PIB, com falências de bancos, cortes nos salários e até nas reformas, esta recessão, que terá um valor muitíssimo maior, onde nos levará?

Sendo certo que uma vacina vai demorar muito tempo, a melhor vacina será quando a sociedade tiver atingido uma situação em que cerca de 60% das pessoas tenham contactado com o vírus.

Aí, formar-se-á uma espécie de couraça e a sociedade estará mais protegida – novos e velhos.

Mas, para isso, será necessário voltar a pouco e pouco à vida normal.

Não podem as pessoas estar fechadas durante meses em casa e, de repente, saírem todas à rua ao mesmo tempo.

Isso seria terrível.

Haveria uma segunda vaga pior do que esta, como aconteceu na pneumónica.

Assim, o Governo tem de começar rapidamente a pensar em pôr em prática o plano B, levando a sociedade a regressar ao normal. 

Todas as razões e mais uma apontam nesse sentido:

1. Por motivos de saúde mental, é totalmente desaconselhável manter grande parte da população fechada em casa durante meses; 

2. A obrigação de uns irem trabalhar, e outros, sem fatores de risco, estarem tranquilos em casa, gerará inevitavelmente situações de revolta e recusa ao trabalho. Isso já está a acontecer nalguns lares do Norte;

3. A economia não aguentará tanto tempo parada. Muitos milhares de PME, que constituem a maior parte do tecido económico, irão à falência. Por muitas ajudas que o Estado dê no pagamento de salários, as empresas não poderão viver mais do que dois ou três meses sem faturar;

4. A sociedade tem de criar imunidade ao vírus. E isso não acontecerá com toda a gente fechada em casa, sem contactos entre as pessoas;

5. O Estado não tem condições financeiras para colmatar os prejuízos resultantes de uma paragem tão grande da economia, tendo de pagar salários de empresas em lay-off, pagar subsídios de desemprego que subirão brutalmente, dar facilidades fiscais aos cidadãos e às empresas – e, tudo isto, ao mesmo tempo que perde boa parte dos impostos decorrentes de uma economia a funcionar normalmente. O Estado vai ver a despesa crescer enormemente, enquanto perde boa parte da receita;

6. Perante o desespero, viramo-nos para a Europa. Aqui d’El Rei, a Europa tem de nos ajudar! A Europa é a santa milagreira a quem apelamos quando sucede alguma coisa que não conseguimos resolver. Mas a União Europeia não pode resolver tudo. Até porque todos os países da Europa têm agora problemas. Fala-se num plano Marshall – mas o dinheiro desse plano veio da América, e este tem de ser arranjado cá dentro. E o dinheiro não cai do céu. 

Tendo em conta tudo isto, não esperemos pelo fim da pandemia para agir.

Será um tremendo erro.

A ideia não pode ser resolver primeiro o problema da saúde e resolver depois o problema económico.

Não.

A ideia tem de ser resolver ao mesmo tempo o problema da saúde e o problema da economia.

Senão, quando a pandemia passar, daqui a muitos meses, teremos uma crise social de consequências devastadoras e nunca vistas.

O pós-coronavírus poderá será bastante pior do que o drama que estamos a viver. 

Porque a pandemia afeta gravemente apenas 20% da população; e a depressão vai afetar gravemente 80% da população.

Na Itália já estão a dar cheques às pessoas para fazerem compras no supermercado, senão algumas morreriam à fome. Como será em Portugal daqui a uns meses, quando em muitas famílias acabar o dinheiro?