Para a União Europeia este é um tempo do Tudo ou do Nada

A União Europeia está confrontada com a prova mais difícil para a sua sobrevivência após 63 anos de relativa felicidade.

A ‘pandemia’ económica e social que, inevitavelmente, resultará da ‘crise’ de saúde publica que o mundo vive, é um desafio imprevisto, complexo e de difícil resolução e não convive com indecisões ou decisões insuficientes (ou que sejam tomadas fora de tempo), porque esse será um caminho rápido para neutralizar o indispensável combate a favor da recuperação das economias e da manutenção da estabilidade social.

Por isso, este é, para a União Europeia, o tempo do Tudo ou do Nada.

O comportamento e as decisões dos líderes políticos e a dimensão da cooperação ativa dos cidadãos para ultrapassar este desastre, serão devidamente escrutinados e ocuparão, seguramente, uma boa parte da avaliação histórica que os vindouros farão dos valores e princípios atualmente dominantes na nossa sociedade.

A criação e desenvolvimento de um espaço europeu comum e progressivamente integrado a partir de 1957, data da criação da CEE, foi justificado com o objetivo de evitar uma nova guerra de grandes proporções mas, sobretudo, com a necessidade de fortalecer um elemento essencial para esse desiderato que é o estabelecimento de fortes laços de solidariedade entre estados, nações, povos ou culturas.

O conceito fundamental e a chave mestra para se encontrar, neste momento, uma solução eficaz para as crises que vivemos, no contexto europeu, é, sem discussão, a palavra SOLIDARIEDADE.

Contudo a solidariedade tem muitas faces e só é útil e eficiente se envolver todos os protagonistas, desde logo porque esse princípio deve respeitar as singularidades de todos e nunca poderá ser construída ao arrepio e sem o consenso da esmagadora maioria dos cidadãos europeus.

Porque ainda é uma política de aplicação difícil, a solidariedade pressupõe equilíbrios complexos, pelo que se torna difícil compreender e aceitar afirmações pouco cuidadosas que a colocam em causa, mas também aplaudir reações emotivas perante essas afirmações (por vezes com insuficiência de informação) pois, para lá do ruído prejudicial que provocam, não passam, num caso de total ignorância histórica e noutro, de dispensáveis manifestações de simples estados de alma.

A recuperação de um clima de confronto entre o norte e o sul da Europa, mesmo quando aplaudida por figuras de primeira linha da Monarquia e da República ibéricas, não será, decididamente, uma boa via para a cooperação .

Mas a necessidade aguça o engenho e certamente que a União Europeia, através do seu braço semi-formal-o Eurogrupo- começará por encontrar (uma decisão já terá sido tomada quando este escrito for conhecido) um princípio de solução.

Embora o tempo escasseie temos de partir de expectativas realistas pois o verdadeiro poder reside no Conselho Europeu (ou seja nos governos que o integram), e esse poder está agora reforçado por causa da crise que vivemos.

Se estivermos cientes desta realidade, compreenderemos quão prejudicial foi, e pode continuar a ser, uma discussão exclusivamente centrada na criação dos chamados eurobonds, até porque também não há unanimidade entre os especialistas, como instrumento principal no combate a crises imprevisíveis e de natureza extraordinária.

Mesmo em Portugal, país que beneficiaria muito da criação das obrigações europeias e da consequente partilha solidária dos riscos da dívida, pois facilitaria o acesso aos mercados e reduziria os custos, esta solução não era inicialmente defendida pelo atual primeiro-ministro (então apenas candidato a líder do PS) que perante uma proposta de Seguro, defendendo a solução, argumentava que a crise de então não era o momento oportuno para tratar disso.

Ora como instrumento permanente, a política de emissão de obrigações europeias só é possível num contexto de forte integração económica dos países da Zona Euro, o que implica um robustecido orçamento próprio para esta área, exige que se consolidem todos os três pilares da União Bancária e necessita que seja criado um Tesouro Europeu, ou seja que se aceite, na prática, o início de um verdadeiro processo de federalismo mesmo que mitigado.

Não havendo, longe disso, consenso para este processo, manter o tema na agenda política é também uma forma de enfraquecer e, se calhar, destruir a Europa e as suas muitas conquistas.

É, pois, no interior das soluções já existentes, que terá de ser encontrado ‘o remédio e a vacina’ para a pandemia económica, mas para isso é necessário que as Instituições (MEE, BEI, Comissão e BCE) utilizem o poder financeiro que já possuem (quase 1500 milhões de euros) com rapidez e flexibilidade. A suspensão, mesmo transitória, das regras do Pacto Orçamental e da proibição das ajudas de estado, em certas circunstâncias é um bom exemplo.

Também é necessário que se abdique de regras rígidas e de controlo excessivo e imoral de condicionalidades, pois isso conduzirá a novas e mais fortes austeridades, que são a negação da solidariedade, e, como é evidente, não pode ser excluída uma certa partilha de riscos e garantias, ainda que limitada para períodos reduzidos e para políticas concretas.

A discussão de fundo sobre uma mutualização da dívida para investimento e sobre o reforço orçamental da União Europeia (que, com surpresa, ainda não se entendeu para aprovar o Orçamento Plurianual para 2021/2027), deve ser associada à definição urgente de uma ‘nova economia’ europeia e de cada um dos seus estados membros e não pode prescindir de uma intervenção cada dia mais ativa do Banco Central Europeu.

 

P.S.– Este texto foi escrito sem se conhecerem as conclusões da reunião do Eurogrupo da pretérita terça-feira na convicção de que o bom senso e o espírito europeu triunfaram. Não será possível salvar alguns se não se salvarem todos.