Maria Filoména Mónica. ‘A pobreza em portugal fazia parte de um cenário que parecia imutável’

Hans Christian Andersen escreveu em 1866 que atravessar a fronteira de Espanha para Portugal era como ‘sair da Idade Média para entrar no presente’. Mas outros foram menos lisonjeiros. Filomena Mónica recolheu os testemunhos de visitantes estrangeiros do séc. XVIII ao séc. XX: na maior parte dos casos, devolvem-nos uma imagem que varia entre o…

Quando visitou Lisboa, em 1760, Giuseppe Marc’Antonio Baretti, natural de Turim (à época, uma das cidades mais cultas da Europa), achou as ruas da capital portuguesa «indecentemente sujas». Baretti, um dos primeiros a viajar ao nosso país depois do grande terramoto de 1755, foi mais longe e chamou aos portugueses «a escumalha da populaça, e nem sequer digna de ser comparada à mais baixa ralé dos países idólatras e maometanos». O seu ressentimento não era injustificado: antes de escrever estas palavras tinha sido insultado e apedrejado por um bando de autóctones.

O testemunho deste italiano é o mais antigo dos cerca de 40 reunidos no novo livro de Maria Filomena Mónica, O Olhar do Outro – Estrangeiros em Portugal: do Século XVIII ao Século XX (ed. Relógio d’Água). De Baretti e William Beckford a Simone de Beauvoir e García Márquez, a socióloga recolheu as impressões anotadas por aristocratas, cientistas, comerciantes e escritores que nos visitaram ao longo destes mais de 200 anos. A essa recolha juntou biografias dos autores destas palavras, que ajudam a compreender o quadro mental de cada um e os respetivos preconceitos. «Gostei muito de escrever este livro», diz-nos Maria Filomena Mónica. Mesmo se o retrato geral do país que resulta destes testemunhos deixe, as mais das vezes, um travo amargo.

Um país pobre e atrasado, ruas imundas, um povo supersticioso e maltrapilho, um clero ignorante, uma nobreza inculta e preguiçosa, hospedarias sem conforto, má comida, igrejas cheias de pinturas horrorosas. Em certos momentos, este livro mais parece um desfile das nossas misérias, para não dizer uma galeria de horrores. Portugal era, nos sécs. XVIII e XIX, uma espécie de parente pobre da Europa civilizada?

Colegas meus – e até eu – tomaram demasiado à letra os comentários que os visitantes estrangeiros nos deixaram. É evidente que, se comparado com os países da Europa do tempo – nomeadamente a Inglaterra e a França -, Portugal era pobre, inculto e desmazelado. O que me interessou não foi o retrato per se, mas descobrir os preconceitos de quem nos visitara.

Acha que as opiniões de figuras como Baretti, Carrère, Beckford, Byron, Lichnowsky, Porchester, etc., são justas ou foram distorcidas pelo preconceito? Estou a pensar, por exemplo, nesta de J. B. F. Carrère, antigo conselheiro médico do Rei Luís XVI de França, em que aconselha o português a viajar, para concluir: «Envergonhar-te-ás de ter nascido português […] e concordarás então que o teu país é o mais atrasado, o mais ignorante, o menos civilizado, o mais selvagem e bárbaro de todos os países da Europa».

Foram muitas vezes deturpadas. Nomeadamente, no caso dos ingleses. Não só por a Inglaterra ser, no séc. XIX, o país mais desenvolvido da Europa, mas por virem da boca de quem perfilhava uma religião diferente, a anglicana. Este último fator foi determinante, pois contribuiu para atribuir os defeitos portugueses à religião católica. Portugal tinha múltiplos fatores – a situação geográfica, a ausência de carvão, solos fracos – que explicam o seu atraso. A Igreja Católica poderá ter contribuído para o atraso, mas ‘a lenda negra’ é um preconceito dos países do norte quando olham para o sul.

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