Marcelo protege autarcas de ‘uma visão estreita da justiça’

Marcelo telefonou a presidentes de câmara durante o período da Páscoa e prometeu não os esquecer. Autarcas admitem que agiram na fronteira da legalidade para enfrentar pandemia. 

O Presidente da República telefonou a vários presidentes de câmara durante o período da Páscoa e ouviu muitas preocupações do outro lado, nomeadamente com o risco de virem a ser penalizados por estarem a agir na fronteira da legalidade no combate à pandemia. Na mensagem ao país sobre a renovação do estado de emergência, esta quinta-feira, Marcelo não ignorou as inquietações do poder local. «Se alguém, passado este momento mais grave da crise, a pretexto de uma visão estreita do Direito e da Justiça, questionar, um dia, decisões dramáticas de salvação pública, tomadas de boa-fé e com isenção, serei o primeiro a testemunhar como, em tantas dessas circunstâncias, foi essencial o vosso papel de proximidade».

Os autarcas gostaram de ouvir a mensagem de Marcelo e não escondem alguma preocupação. Vítor Rodrigues, presidente da Área Metropolitana do Porto, já alertou os autarcas da região que «tudo o que se der e fizer» deve ficar registado. «O voluntarismo pode ter consequências. Daqui a um ano já ninguém se lembra e numa qualquer inspeção da Inspeção-Geral de Finanças ou do Tribunal de Contas podem surgir perguntas legítimas», alerta o autarca, reconhecendo que a intervenção do Presidente da República foi «muito importante para os autarcas que tiveram um papel extraordinário» no combate à pandemia. «Havia hospitais e centros de saúde onde faltava tudo», diz ao SOL Eduardo Vítor Rodrigues.

As câmaras municipais estão a apoiar os hospitais e as instituições particulares de solidariedade social (IPSS), nomeadamente na compra de material de proteção individual. O presidente da Câmara de Braga admite que «há decisões que poderão estar na fronteira da legalidade», mas «não havia condições» para ajudar as pessoas de outra forma. «Acredito que alguns autarcas possam ter, em determinados contextos, extravasado os limites legais, mas fizeram-no na defesa do interesse público e salvaguarda da população. Seria incompreensível que alguém os tentasse responsabilizar», diz ao SOL Ricardo Rio. 

Os autarcas alertam que a necessidade de dar resposta à pandemia nem sempre é compatível com as regras da administração pública. «Espero que haja bom senso. Isto não é para nos beneficiar a nós, mas sim à população», afirma Rogério Bacalhau Coelho, presidente da Câmara de Faro.

Almeida Henriques, presidente da câmara de Viseu, alerta que os autarcas estão «a interpretar um papel de um guião que não estava escrito» e têm sido decisivos no combate à pandemia. «Estou preparado para tudo. Estou a fazer o que é o melhor para os meus concidadãos e para o município».

O autarca de Cascais, Carlos Carreiras, um dos primeiros a encomendar material de proteção individual, também não tem dúvidas de que «as autarquias foram uma fonte importante de contenção» e alerta que a descentralização de competências ajudaria a enfrentar estas situações. 

‘A prioridade é agir’
O Presidente da Associação Nacional de Municípios, Manuel Machado, considera que a intervenção do Chefe de Estado foi «importante» tendo em conta o que aconteceu na tragédia dos incêndios, em que os autarcas foram responsabilizados pela justiça. «O Presidente da República foi sensível a essas nossas preocupações, que decorrem de decisões tomadas sob responsabilidade. Não declinamos essa responsabilidade que não foram documentadas porque a prioridade é agir. O que eu leio dessa mensagem é um ato solidário porque esteve connosco sempre. Não só agora», afirma ao SOL Manuel Machado. 

Marcelo dá tempo ao Governo
O Presidente da República justificou, esta quinta-feira, a renovação do estado de emergência com a necessidade de dar tempo ao Governo para preparar «a abertura, gradual, da sociedade e da economia, atendendo a tempo, a modo, a territórios, a áreas e a setores». Marcelo defendeu ainda que é preciso dar mais tempo aos lares de idosos e garantir que o Serviço Nacional de Saúde estará «em condições de responder à evolução do surto em caso de aumento progressivo de contactos sociais».

O Presidente reconheceu que «o cansaço aperta» devido às restrições impostas pela pandemia, mas apelou aos portugueses para resistirem a «facilidades tentadoras».