Do Rossio Marquês de Pombal ao Submarino do Capitão Nemo

O último passeio digno desse nome que dei antes de a pandemia nos confinar às nossas casas foi em Estremoz, no Alto Alentejo. Aos sábados de manhã, um mercado que faz pensar nas feiras de outros tempos instala-se na praça central da cidade, o Rossio Marquês de Pombal (que há quem diga que é maior…

Tudo se encontra à venda naquelas bancas improvisadas. Cestos e cadeiras de verga, artesanato, móveis, velharias e antiguidades, utensílios de madeira, brinquedos em segunda mão, instrumentos musicais e máquinas de escrever antigas, balões para as crianças, livros velhos, loiças, rádios, cassetes e dvds, fechaduras, chaves enferrujadas e todo o tipo de bibelôs e inutilidades.

Também há animais vivos, como coelhos, galinhas, patos e uma grande variedade de pássaros, alguns de cores extraordinárias; frutas e legumes, claro, queijos e enchidos, hortaliças e ervas aromáticas.

Quase tudo é bom e quase tudo é relativamente barato. Mas algumas coisas, como os dvds ou os aparelhos elétricos usados, nunca sabemos se estão ou não a funcionar. Com os livros, não corremos esse risco. Desde que estejam em razoável estado – alguns comerciantes mais descuidados às vezes deixam-nos ao sol ou a apanhar chuva – podemos comprá-los sem qualquer receio.

Logo no início desse passeio de sábado pelo mercado – em que por acaso até se ouvia falar bastante espanhol – topei com dois livros que me chamaram a atenção. Ultimamente tenho começado a interessar-se por livros didáticos ilustrados, dirigidos ao público juvenil, mas extremamente bem feitos e com os quais qualquer adulto tem alguma coisa a aprender. Estes dois, de formato generoso, enquadravam-se nesse interesse recente: duas Enciclopédias Visuais, uma sobre conchas, a outra sobre vulcões.

Não me dirigi à banca – não quis dar logo início às hostilidades. Primeiro demos a volta pela feira, comprei o que tinha a comprar (um belo molho de grelos de couve, um saquinho de favas, cebolas roxas, um chouriço de carne, fruta, coentros e orégãos secos), apreciei os belos pássaros de todas as cores nas suas gaiolas e no final voltei ao ponto de partida para apreçar os livros. Felizmente ainda lá estavam – um euro cada.

De regresso a casa, no período mais calmo a seguir ao almoço, lá pude abrir os livros para uma primeira leitura rápida. O dos vulcões era o que mais me interessava e em que depositava mais expectativa. Na verdade, tinha comprado o das conchas quase por arrasto. Mas acabou por ser neste que mais me demorei, encontrando coisas interessantíssimas. Como o caranguejo-ladrão, «um trepador gigante», que «sobe às árvores à procura de cocos, que rebenta com as pinças poderosas». Ou as conchas-lâmpada, que vivem nas profundezas e emitem luz.

Ainda assim, o mais surpreendente para mim foi o que li acerca do nautilus, um animal marinho cujas conchas eram muito valorizadas pelos grandes colecionadores do Renascimento, que as conservavam nos seu gabinetes de curiosidades. «O Nautilus é o único cefalópode com uma verdadeira concha externa», diz-nos o livro. E agora vem a parte que mais me fascinou: «No entanto, vive apenas na câmara exterior dessa concha. O interior está dividido em vários compartimentos nacarados, cheios de gás, que o animal utiliza para controlar a flutuação, enchendo-os ou esvaziando-os de água».

E foi assim, numa cidade do interior, a muitos quilómetros da costa, que descobri de forma inesperada não apenas várias maravilhas do mundo marinho como o motivo por que Júlio Verne escolheu chamar Nautilus ao submarino do Capitão Nemo.