Plataforma do Cinema alerta para “situação calamitosa” e acusa tutela de “irrelevância política”

“Não existirá qualquer futuro com a inacção do presente”, afirma o setor do cinema depois de uma reunião em que o secretário de Estado Nuno Artur Silva terá posto de parte a adoção de quaisquer medidas de apoio a fundo perdido e remetido as questões dos trabalhadores da cultura para os ministérios centrais.

Com salas de cinema fechadas, estreias suspensas, festivais adiados e rodagens interrompidas ou adiadas sem data, a situação que enfrenta o setor do cinema é “calamitosa”. Assim a descreve a Plataforma do Cinema, alarmada perante as dificuldades que enfrenta um setor que viveu sempre em crise. E que, acrescenta, será, “como já foi reconhecido publicamente pelo Governo”, em conjunto com o setor da cultura, “dos primeiros a ver as suas actividades suspensas e será dos últimos a conseguir uma retoma”.

Num comunicado enviado às redações, a plataforma formada na luta que o setor travou pela alteração do decreto-lei aprovado pelo Governo de Passos Coelho que regulamentava os procedimentos para a nomeação dos júris que decidiam os apoios atribuídos à produção cinematográfica e audiovisual propõe a tomada de três medidas com caráter da maior urgência pela tutela para um setor que, desde o início da pandemia, não foi alvo de qualquer medida específica de apoio financeiro.

Em primeiro lugar, a “criação imediata de um fundo de emergência para os trabalhadores do setor”, à semelhança do que aconteceu já em países como Espanha, França ou Reino Unido. Segundo a Plataforma do Cinema, a possibilidade chegou a ser estudada em Portugal pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual, mas depois “subitamente descartada” pelo Ministério da Cultura.

Em segundo lugar, defende a Plataforma do Cinema, é urgente que seja criado “um plano de contingência a dois anos para as diversas entidades que operam no setor”, incluindo produtoras, festivais, cineclubes, empresas de serviços, exibidores e distribuidores independentes, entre outros, “que amortize os prejuízos da suspensão das actividades previstas até que estas possam ser retomadas”.

A Plataforma do Cinema entende ainda como fundamental um “incremento do papel da RTP junto do cinema”, lembrando “que ainda há uns anos estava em vigor um protocolo RTP/ICA que garantia um complemento financeiro automático ao montante atribuído pelo ICA a cada projeto apoiado, ficando a televisão pública com direitos de exibição do filme como contrapartida”.

O comunicado surge depois de uma reunião a 20 de abril entre a Plataforma do Cinema, o secretário de Estado, Nuno Artur Silva, e o presidente do Instituto do Cinema e do Audiovisual na qual, segundo a plataforma, “o secretário de Estado rejeitou a totalidade das propostas apresentadas pela plataforma, alegando que não podem existir medidas de apoio a fundo perdido, que as questões dos trabalhadores da cultura devem ser resolvidas pelos ministérios centrais e que as medidas de apoio ao sector se irão cingir à flexibilização das regras administrativas no ICA”.

Nessa mesma reunião, Nuno Artur Silva terá falado sobre o futuro do setor. Futuro que a plataforma diz não perceber qual é. “É revelador de uma preocupante falta de lucidez que se pondere  a discussão de um novo plano estratégico no final do ano, enquanto se testemunha  de braços cruzados a expectável falência de produtoras, distribuidores, exibidores independentes e outras entidades do sector”, afirma a Plataforma do Cinema no comunicado subscrito também pela Agência da Curta Metragem, pela Apordoc – Associação pelo Documentário, pela APR – Associação Portuguesa de Realizadores, a Casa da Animação, os festivais Curtas Vila do Conde, Doclisboa, IndieLisboa, Monstra – Festival de Animação de Lisboa, Porto/Post/Doc e Queer Lisboa, os PCIA – Produtores de Cinema Independente Associados e a Portugal Film. 

“O efeito em cadeia levará a que o dinheiro destinado a projectos apoiados pelo ICA seja usado em desespero para a sobrevivência de profissionais que se encontram totalmente desamparados e para a sobrevivência das estruturas”, sublinham. Isto numa altura em que “várias produções (algumas já em fase de rodagem) foram interrompidas e adiadas sine die” e “quando regressarem as condições para poder prosseguir, os produtores terão de fazer face ao acréscimo de custos da paragem forçada e das novas condições de rodagem em contexto de distanciamento social”. 

E em que muitos dos profissionais do setor que ficaram sem trabalho (segundo um inquérito do CENA-STE – Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, do Audiovisual e dos Músicos, 98%) não estão abrangidos pelo apoio geral anunciado para os trabalhadores independentes. A Plataforma do Cinema explica porquê: são profissionais que operam “num sector marcado pela precariedade e sazonalidade da atividade” e para os quais “nunca foi criado um regime especial de ‘intermitentes’”.

“Não existirá qualquer futuro com a inacção do presente”, afirma ainda a plataforma, constatando “a absoluta irrelevância política do Ministério da Cultura e da recém criada Secretaria de Estado do Cinema e do Audiovisual”, que, afirma ainda, “confirma definitivamente que os atuais ocupantes do Palácio da Ajuda não sentem fazer parte do sector que tutelam, que não o conhecem e que nada farão para o preservar”.

Certos de que as dificuldades que já enfrentava o setor “irão infelizmente agravar-se”, os subscritores do comunicado apelam “à união entre profissionais e agentes da área da cultura para fazer ver aos responsáveis políticos, independentemente de quem sejam, que o Estado não pode lavar as mãos e abandoná-los à sua sorte na actual conjuntura” porque “a responsabilidade política não ficou suspensa com o estado de emergência ou com a situação sanitária no país”.