Por detrás da máscara

Esta nova normalidade, em que usamos máscara e exercemos o distanciamento, tem de ser, também para nós, um tempo de aceitação e de afirmação de cultura cívica.

por Francisco Rocha Gonçalves
Vice-Presidente da Câmara Municipal de Oeiras

A República Checa foi dos primeiros países onde, desde cedo, foi decretada a obrigatoriedade do uso da máscara facial de proteção para prevenir o avanço da covid-19 e continua a ser dos poucos em que esta medida foi adotada e vigora.

Desde 19 de março, o mesmo dia em que se iniciava o estado de emergência em Portugal, o governo checo determinou que todos os habitantes do país passavam a ser obrigados a usar máscaras faciais quando saíssem de casa e sempre que frequentassem locais públicos. Para dar o exemplo, dias depois, o primeiro-ministro foi falar à televisão, numa mensagem à população, usando uma máscara listada, azul e encarnada (as cores da bandeira nacional). Ministros e deputados seguiram-lhe o exemplo, usando máscaras quando em intervenções públicas.

A decisão de massificar a utilização de máscaras faciais foi das autoridades, mas foi quase o reflexo lógico de um movimento social de adesão a este tipo de proteção, anterior à decisão política, que teve por base a iniciativa de artistas e divulgadores nas redes sociais, de tal forma que se tornou um movimento nacional, que não só levou à institucionalização da regra, como promoveu o fabrico – profissional e artesanal – destas proteções. Assim, em resultado de um esforço comum, nacional, foi garantida, em primeiro lugar, a proteção dos profissionais do setor de saúde que estão na linha da frente do combate à doença, mas também que, rapidamente, fosse ultrapassada a incapacidade inicial do mercado para responder à procura dos particulares.

O que este movimento traduziu foi o espírito de comunidade inerente ao slogan que promovia a ideia do uso massivo de máscaras: My mask protects you. Your mask protects me (A minha máscara protege-te. A tua máscara protege-me).

Num tempo em que, muitas vezes, o individualismo se sobrepõe, em que enfrentamos uma doença para a qual não existe tratamento ou vacina, mas que nos pode levar a temer e a rejeitar o próximo, esta ideia de que uma ação individual tem por fim proteger o outro e subjacente a ela tem a confiança de que o outro me protegerá a mim é uma afirmação cultural.

Esta nova normalidade, em que usamos máscara e exercemos o distanciamento, tem de ser, também para nós, um tempo de aceitação e de afirmação de cultura cívica.

O cumprimento das regras de confinamento e de distanciamento social, a utilização da máscara facial e o cuidado nas rotinas de higienização são sacrifícios que cada um faz, não apenas por si, mas pela comunidade, confiando que cada um dos membros desta zelará pela nossa segurança.

Além de colocar à prova a forma como a comunidade enfrenta e encontra formas de superar esta crise global de saúde pública, esta pandemia é um teste à natureza da própria comunidade, ou seja, de como os indivíduos interpretam a sua participação no que é comum.

Na República Checa, o movimento social enraizou-se de tal forma que o uso de máscara passou a ser entendido como um comportamento socialmente responsável, enquanto, pelo contrário, sair à rua ou usufruir do espaço público sem qualquer proteção passou a ser entendido como um comportamento antissocial, um desrespeito para com o outro que constitui um risco para a comunidade.

Este é o teste que a nova normalidade nos traz e, para superá-lo, é necessário, primeiro, reconhecê-lo como tal e saber, depois, se estamos dispostos ao salto cívico que temos de dar para sermos uma comunidade e não, apenas, um conjunto de indivíduos.

Aceitar os imperativos desta realidade de proteção mútua num contexto de sociedades individualizadas e de baixa densidade social, é compreender que é preciso preocuparmo-nos com o outro, para que faça sentido ao outro preocupar-se connosco. Só há uma forma de superarmos crise desta natureza: juntos.