Surpresas ou estratégias?

As presidenciais são uma curtição. Costa, com inteligência trouxe-as como ‘fait divers’  para a ribalta das discussões, ofuscando outros temas que não lhe interessa discutir. Chapéu! 

Esta nomeação surpreendente de António Costa Silva veio colocar mais um tema na agenda política nacional. Como se não bastasse o covid e a paragem da Economia, o imbróglio da TAP, os anunciados planos de estabilidade ou recuperação e sei lá que mais, eis que António Costa volta a demonstrar que lidera a agenda política e, imitando Passos Coelho em 2012 quando este convidou António Borges, tirou um ‘coelho da cartola’.

Devo desde já acrescentar que perante a ciclópica missão, acho normal e até concordo plenamente que seja nomeado alguém de fora do Governo. Durante anos disse em várias empresas que estando as mesmas dimensionadas para a gestão corrente, mesmo que estratégica, tudo o que fossem novos projetos deveriam ser feitos por terceiros. Estamos, portanto, de acordo.

Só que acho desnecessário António Costa ter criado um problema, sobretudo, a quem acabou de nomear. Não tem estatuto anterior que o qualifique como personagem inquestionável, como tinha António Borges, nem deslumbra nas entrevistas que já deu. Em suma, deu à oposição excelente pretexto para ter uma manifestação unívoca de rejeição e só mesmo António Costa se pode sentir espicaçado por ter sido contrariado.

Era tão fácil evitar este imbróglio – bastava ter sugerido a Siza Vieira que o convidasse como assessor, mantendo o tema da recuperação da Economia sob a égide do seu Ministério. A não ser que o escolhido não aceitasse, por orgulho ou algo assim. Mas se assim fosse, o problema era muito fácil de resolver – não era nomeado! Assim, temos um estudo com objetivo meritório a começar bem torto e o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita.

Rio continua, entretanto, a sua cruzada. Personagem integra e inspiradora de confiança num meio em que predomina a desconfiança, crendo nas suas crenças, ainda não se percebeu bem quem será o seu adversário político. Umas vezes elege a pandemia, noutras ocasiões elege os socialistas, sempre dito com a maior convicção. Mas isso são detalhes quando se vê António Costa e o seu PS a bater nos 45% e o PSD com 24% nas sondagens. O Governo com poderosa central de comunicação a capitalizar com inteligência o tempo dos media, Rio escondido dos media e das centrais de comunicação como se estas tivessem peçonha. Uns com metralhadoras, outros com fisgas (e com elástico partido, como diz um amigo meu).

Será que Rio não vislumbra isto? Ou apenas segue o seu caminho como fez no Porto julgando que o país se confunde com aquela cidade? As sondagens dizem-lhe que tem de fazer muito mais, mesmo em tempos de pandemia. Por exemplo: ser capaz de surpreender e aparecer com regularidade! Não apenas para apresentar um programa de recuperação da Economia, com vários princípios ambiciosos, mas com a agravante de pouco dizer às pessoas. Teria com facilidade temas diários para se pronunciar construtivamente, tantas as oportunidades que o Governo, com os seus dislates, dá à oposição. Estivesse Catarina verdadeiramente na oposição e Rio logo veria como era.

Entretanto, a direita, surpresa com o sucesso mediático de Costa e do PS, perde-se na sua incapacidade de surpreender e ser alternativa. O CDS liderado por um jovem cheio de garra a quem falta estatuto e anos de vida. Cotrim sobra-lhe em experiência e anos de vida o que lhe falta em ser capaz de falar para as massas. Ventura escolheu o caminho mais fácil para se impor nesta direita sem chefia, com linguagem populista e demagógica, mas dirigida diretamente ao povo quando aborda problemas concretos. Falta alguém? Esquecia-me da Aliança ou será que foi a Aliança que se esqueceu de Portugal? 

As presidenciais são mesmo uma curtição. António Costa, com inteligência trouxe-as como ‘fait divers’ para a ribalta das discussões, ofuscando outros temas que menos lhe interesse serem discutidos. Chapéu! Ana Gomes e seus apoiantes, surpreendidos, estrebucham em vez de agradecerem a oportunidade que Costa lhe ofereceu de liderar a alternativa a Marcelo, tentando construtivamente fechar pontes com o Bloco e PCP para garantir a segunda volta (se vier a haver ou ainda é Ventura que lá vai…). A alternativa a Marcelo é, na minha opinião, indiscutivelmente Ana Gomes, como antes Sampaio da Nóvoa. Mas para isso acontecer, convinha que se começasse a assumir em vez de se deixar presumir como alternativa.