Atravessado por um raio de luz

A bola saiu do pé de Maniche a 300 mil kms por segundo. Desafiou a natureza, pôs em causa todas as teorias da arquitetura.

Vemos. E Revemos. E vemos outra e outra vez. Por momentos, à velocidade normal, em seguida ao ralenti. De cada vez tenho uma sensação diferente. Talvez porque, de cada vez, olho com olhos diferentes. Há aquele pormenor do Ronaldo a marcar o canto. O pormenor que não devia estar estar lá. Ronaldo ficava na área, foi assim que marcou um golo na primeira parte. Dir-se-ia um erro de casting. Uma daquelas surpresas que o cérebro tem dificuldade em absorver, como a do soldado romano que usava um relógio em Quo Vadis de Marvyn LeRoy.

O Hiren volta a recuar as imagens. Eu o Nilesh e o Horácio estamos presos a elas, nem parece que as vimos milhares e milhares de vezes. Eu, pelo menos, já as vi milhares e milhares de vezes. E vi-as ao vivo, claro, ali na beirinha do relvado de Alvalade, lado a lado com o meu querido António Gaspar.

Pois bem, a bola vem do Ronaldo, um toque pequeno, fazendo-a rolar apenas uns metros. Estariam os holandeses baralhados com a ausência de Ronaldo onde os tinham ensinado a estar atentos a ele? Depois o Maniche avança um pouco e a bola sai do seu pé direito a trezentos mil quilómetros por segundo que é, segundo afirmam os sábios, a velocidade da luz. Aprendi nos bancos da velha palmatória que a elipse pode ser um segmento de reta. Manda a álgebra que seja uma curva do plano cartesiano equacionada desta forma: Ax2 + Bxy + Cy2 + Dx + Ey + F = 0. Confesso: nunca tinha visto um golo pelo prisma de uma equação. Do quilé! É suficientemente complexo para desafiar todas as teorias da crónica escrita. O golo como secção cónica, como intersecção entre o cone e o plano, ou como círculo e segmento de reta. Vejam bem, por vossa vez, se puderem e tiverem tempo para isso. Há no movimento da bola uma revolução. A bola de Maniche é libertária. Tem vontade própria e escolheu o lugar exato da baliza em que quer entrar. Nada nem ninguém a fará mudar de ideias. Vejam-na como voa pelo tempo e pelo espaço sem parar nunca.

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