Foi nadador olímpico, manequim, apresentador de um magazine de cinema até se ter tornado ator. No teatro representou textos de Beckett, Hemingway, Saramago, Strindberg, Mamet, Woody Allen, Tchekov. Na televisão, foi um rosto ininterruptamente presente por mais de 20 anos, desde que em 1997 se estreou nas telenovelas, ainda na RTP. Contava como qualquer trabalho anterior lhe parecia sempre imperfeito: «O trabalho anterior é sempre fraco. Acho sempre que poderia ter feito melhor, que está além daquilo que sou agora». Entre o choque pelas trágicas circunstâncias em que no último sábado na Praia do Abano, em Cascais, escreveu o capítulo final da sua vida, foi também assim que foi recordado Pedro Lima, que em mensagens de despedida enviadas aos amigos mais próximos lhes pediu que cuidassem da sua família.
Nasceu em Luanda a 20 de abril de 1971. Os seus pais, que tinham frequentado o curso de Direito, tinham ambos ligações políticas ao MPLA. Vindo de uma família sem ligações ao meio artístico (o avô materno era empresário; o paterno juiz desembargador, e a avó professora de Português e Latim), estudou Engenharia Mecânica, mas começou a trabalhar como modelo, através de Paulo Dentinho, que o levou a fazer o seu primeiro anúncio, e depois de Ricardo Carriço, que o levou à Central Models. «Nunca me passou pela cabeça, desconhecia completamente, que houvesse agências de modelos», contou a Patrícia Vasconcelos no programa Sei Quem Ele É, em que a diretora de casting conversa com atores com que se cruzou ao longo dos anos a partir de gravações de casting.
Foi depois disso, e de ter apresentado na RTP2 o programa Magacine, dedicado ao cinema, que deu o primeiro passo para a representação, aos 26 anos, depois de um casting em que foi escolhido para integrar o elenco principal de A Grande Aposta, da autoria de Tozé Martinho, Cristina Aguiar e Sarah Trigoso, telenovela que marcou também a estreia de Fernanda Serrano enquanto atriz no pequeno ecrã. Mesmo antes de ter trabalhado como manequim, tinha sido atleta olímpico de natação: representou Angola nos jogos de 1988 e 1992.
Mas não foi o trabalho de manequim que o levou à representação: «As pessoas gostam de misturar as coisas. O que fiz foi aproveitar aquela oportunidade que me apareceu», dizia ainda a Patrícia Vasconcelos. «[Mas] já queria ser ator, secretamente. Frequentava muito cinema, alimentava secretamente esse desejo».
Viriam contudo, e à semelhança do que acontece com grande parte dos atores portugueses, a ser poucas as oportunidades de papéis no cinema, onde teve o seu primeiro grande projeto ao lado de Nicolau Breyner, no filme Contrato (2009). No mesmo ano estrearam-se também com a sua participação Second Life, de Alexandre Valente e Miguel Gaudêncio, e Perpétua, de Marcos Filipe Albuquerque. Depois de algumas curtas-metragens, integrou ainda os elencos de Quarta Divisão (2013), de Joaquim Leitão, Eclipse em Portugal (2014), de Edgar Alberto e Alexandre Valente, e ainda A Uma Hora Incerta (2015), de Carlos Saboga.
No teatro trabalhou com encenadores como João Lourenço (na encenação de Socos, de Neil Labute), Jorge Silva Melo (Inverno, de Jon Fosse), Rodrigo Francisco (em peças como Kilimanjaro, de Ernest Hemingway, ou Negócio Fechado, de David Mamet) ou Luís Vicente, na sua encenação de À Espera de Godot, de Beckett. Aí, no teatro, acreditava que, ao contrário do que acontece na voragem das gravações televisivas, «o trabalho nunca está acabado». A Patrícia Vasconcelos falava da angústia da incessante busca que caracteriza o trabalho de ator: «Ao longo de uma peça, há momentos em que me sinto completamente honesto. Mas são momentos, são gotas de água num oceano».
Quando recebeu a notícia de que integraria o elenco de A Grande Aposta vivia ainda com a avó materna, que dizia ter sido determinante no seu percurso. «Nunca trabalhou, mas na altura do FMI [da intervenção externa na década de 1980] chegou a ter três empregos ao mesmo tempo». Era nela que dizia ter encontrado o exemplo para «a responsabilidade, o cuidar da família». Pedro Lima era pai de cinco filhos: o mais velho com Patrícia Piloto e os outros quatro com a ceramista Anna Westerlund, com quem fazia planos para se casar em 2021, quando completariam 20 anos de relação.
Desde que apareceu em A Grande Aposta, multiplicaram-se os trabalhos em televisão, sem interrupção. Antes de ter integrado o elenco de A Herdeira (2018), tinha pedido à TVI para ficar um tempo longe do ecrã: «Uma das coisas que falei com a TVI, quando renovei o meu contrato, foi que precisava de dar descanso à minha imagem. Nos últimos anos, tinha feito projeto atrás de projeto, além de ter estado a fazer teatro. E na altura combinámos que ia parar. A minha intenção era pode respirar, ler coisas, aproveitar, mas tive uma reação surpreendente: quando se passa 18 anos a trabalhar como eu fiz, com regimes de trabalho muito intensos, com desafios enormes, de repente parar… Tive uma reação de descontrolo». Na mesma entrevista o ator, na altura com 46 anos, falava sobre o período difícil que enfrentou depois dos 40: «Falei com algumas pessoas que já passaram por isso e descobri que é frequente alguns homens, quando chegam a esta idade, questionarem o futuro, o que estão a fazer… E percebi que sou apenas mais um. Se é crise de meia-idade não sei», dizia. «Comecei a questionar-me: o que queria? o que era? quem era?… Não tenho muita autoestima, ou não tinha, por mim, e achava que nada era suficiente. Já houve pessoas que fizeram esta análise por mim e eu, agora, aceito-a de qualquer maneira. Descobri que tenho maior tendência para me preocupar com o não ser, do que com o ser… Mas, felizmente, com a ajuda da família, estabilizei».
Nos últimos meses contudo o estado de depressão do ator agravou-se, segundo relatos daqueles que lhe eram próximos. Numa partilha feita no dia do seu aniversário, em abril passado, admitia estar a celebrá-lo apesar de se sentir «mais triste e desanimado». Entretanto tinha já regressado às gravações na Plural, que, entre aplausos dos colegas, lançou pombas brancas em homenagem ao ator.