Aceitamos continuar a empobrecer como economia?

Se os responsáveis políticos não mudarem de rumo e de opções, Portugal corre o risco de se tornar no mais pobre dos membros da União Europeia. Isso será imperdoável.

Os resultados financeiros da Reunião Extraordinária do Conselho Europeu, realizada nos dias 17, 18, 19, 20 e 21 do mês de julho, já foram amplamente analisados pela comunicação social e, consequentemente, valorados e compreendidos pela opinião pública.

Mais milhão, menos milhão, quase todos concordam que a ajuda financeira, a que alguns chamam, simbolicamente, bazuca, alocada ao combate contra a crise económica é muito significativa.

Mas como é sabido, nestas coisas de complexidade superior, o diabo costuma estar nos detalhes e só conhecendo devida e totalmente os detalhes é que pode ter-se a certeza de que as expectativas de cada um não saem frustradas.
Não foi fácil chegar a uma conclusão, minimamente consistente e abrangente, na referida reunião do Conselho Europeu.
Se dúvidas houver, para as esclarecer basta analisar detalhadamente o documento das Conclusões da Cimeira, enviado às delegações dos Estados Membros, onde, ao longo de 67 páginas, se dá conta, não apenas dos resultados a que se chegou, mas também do caminho percorrido para lá chegar e das regras implícitas e explícitas para a sua integral concretização.

Um excelente exemplo desta cuidadosa cerzidura, encontra-se logo no início do documento, quando se proclama, sem margem para dúvidas, que o programa de recuperação (Next Generation EU) , constitui «uma resposta excecional a circunstâncias temporárias e extremas», daí decorrendo que «os poderes atribuídos à Comissão para contrair empréstimos são claramente limitados em termos de dimensão, duração e âmbito» (sublinhe-se o âmbito).

Não é difícil compreender, portanto, que as ajudas atribuídas, desta vez, a cada Estado Membro, serão objeto de um alargado escrutínio, sendo apreciadas pelo mérito (comum) dos projetos que financiam, mas de igual modo, pelo âmbito onde serão aplicadas.

A descrição ‘defensivado processo de financiamento, que pode exigir mobilização de saldos temporários de tesouraria e prestações intercalares de alguns Estados Membros, assim como a ausência de clarificação sobre a forma (e responsabilidade) da amortização do empréstimo que se vencerá integralmente apenas em 2058, foram também opções decisivas para um acordo final.

A maior exigência na concessão da atribuição das ajudas, sujeita não apenas à análise da Comissão, mas também, em muitos casos, a uma decisão política do Conselho, associada à ausência de uma solução definitiva para a amortização do empréstimo, (quem paga?), tornam impossível identificar, com rigor, neste momento, os ganhos reais de cada um dos parceiros europeus.

Mesmo sendo uma decisão excecional e irrepetível (?) ficou claro que o acordo alcançado, rompe com dois tabus e estabelece uma regra de bronze para o futuro: 

1. Os Estados Membros aceitam que a Comissão se financie em seu nome e sob garantia comum.

2. União Europeia aceita rever em alta o limite das suas receitas (2% do RNB) abrindo o caminho a outros recursos próprios e nomeadamente à criação de impostos de interesse comum europeu; 

3. A concessão de subvenções ou empréstimos, pelo mecanismo de recuperação e resiliência, fica sujeita a análise e controlo da Comissão e do Conselho e pode ser bloqueada, total ou parcialmente, por exigência fundamentada de um único estado membro.

A total utilização e o aproveitamento eficiente do envelope financeiro atribuído a Portugal, que é superior a 45 mil milhões de euros nos próximos sete anos (entre empréstimos e subvenções), só é possível no respeito deste relacionamento institucional e das novas regras do jogo a nível europeu e exige também que não haja bloqueamentos e indefinições a nível interno.

Tal pressupõe, naturalmente, a apresentação de um programa de Recuperação Económica e Social que seja claro, realista, inclusivo e adequadamente seletivo, mas, sobretudo que identifique e proponha um novo modelo de desenvolvimento para o país, articulado com as prioridades europeias mas suficientemente autónomo e distintivo para ser garantia de uma maior independência nacional.

E tal pressupõe também que seja encontrado um amplo consenso político, entre os partidos que aceitam e defendem a integração europeia, válido para além de uma mera legislatura, consenso que não esqueça, deturpe ou mistifique o que foi a evolução recente do país, os caminhos trilhados, as oportunidades perdidas e as responsabilidades ainda não atribuídas.

Infelizmente os acontecimentos recentes, seja a apresentação de um Plano que, apesar da sua valia técnica, não parece ser suficientemente mobilizador para os portugueses, seja o súbito enfraquecimento dos poderes de fiscalização da Assembleia da República, que resultou de um acordo estranho entre o PM e o líder da oposição, apontam na direção errada e por isso dificultam a necessidade de inverter a relação histórica negativa de Portugal com os fundos europeus.

Se os atuais responsáveis políticos não mudarem de rumo e de opções e perderem esta nova oportunidade, Portugal corre o risco de se tornar, a breve prazo, no mais pobre dos membros da União Europeia. Isso será imperdoável.