Com menos comunistas, mas com a força de sempre

A Festa do Avante! abriu oficialmente com uma declaração gravada de Jerónimo de Sousa. Com menos pessoas no recinto, mas com comunistas vindos de todo o continente e das ilhas.

A pandemia não afastou o público da Festa do Avante!. Na quinta da Atalaia, a festa faz-se sem medo mas com precaução. O uso da máscara não é esquecido e os postos de desinfeção das mãos estão presentes um pouco por todo o recinto. As regras de segurança são repetidas nos altifalantes várias vezes ao dia.

E, tal como as regras de segurança, também o discurso do líder do Partido Comunista Português se fez ecoar em todo o recinto através dos altifalantes. Entre as 19h e as 19h05, a música parou para se fazer ouvir Jerónimo de Sousa. No seu discurso, previamente gravado – e que substituiu a tradicional declaração de abertura da festa –, o secretário-geral lapelou ao uso de máscara e ao seguimento das normas dadas pela DGS e congratulou a organização por ir além das regras impostas. O líder do partido acusou ainda a direita de querer o PCP «confinado, calado e com temor». Enquanto alguns participantes da Festa se juntaram em frente ao palco 25 de Abril, para o ouvir, outros optaram por se sentar noutras áreas do recinto.

A zona da restauração é, como em todos os outros eventos, uma das preferidas dos festivaleiros. E, ao contrário do que é hábito, desta vez não se enchia de filas a perder de vista. Com três ou quatro clientes (de cada vez) por estabelecimento de comida, o tempo de espera era curto para quem queria matar a fome ou beber alguma coisa.

O distanciamento social é observado por todo o recinto, não fosse o número de EP’s vendidos muito inferior ao habitual. Este ano, o PCP não disse ao certo quantos bilhetes vendeu, mas admite que o número foi superior ao permitido pela Direção Geral de Saúde, 16 563 pessoas. Apesar disso, a organização acredita que o recinto nunca vai estar sobrelotado, visto que alguns dos bilhetes foram comprados por solidariedade para com o partido (’donativos’, dizem).

E, para marcar presença na festa comunista, vêem-se pessoas de todos os pontos do país e de todas as idades.

Artur e Florinda Pereira, 75 e 57 anos, respetivamente, viajaram de Mafra para assistir ao festival do Avante!. Não são estreantes nestas andanças, visto que já assistem à festa comunista há mais de uma década. Para manter a tradição e com medo de «mais tarde não poder vir», o casal levantou-se cedo e percorreu 60 quilómetros até à Quinta da Atalaia, no concelho do Seixal. O vírus não os afugenta, acreditando que «tanto se pode apanhar corona aqui como na praia ou no supermercado». A idade não os impede de passar a noite no carro de modo a assistir a mais um dia de Avante!.

Jorge Vasco Garcia chegou à Amora de mota e com o acordéon aos ombros. Veio do Estoril e assume-se como «político do Facebook». O festivaleiro confessa ao SOL: «Eu não sou comunista, nem sou social-democrata, eu sou unionista, sou intervencionista». Vem à festa porque, tal como o PCP, defende os direitos dos trabalhadores e da liberdade de expressão «seja dos comunistas ou dos nazis».

Manuel Franquelim tem 65 anos e passeia pelo recinto segurando uma bandeira do PCP. Veio da Arrentela e assume que apenas faltou a duas edições do Avante!. O militante diz ao SOL que não tem medo da pandemia e que «assim que o vírus vir os comunistas entrar (no portão), ou foge ou morre».

Maria Feio Silva é ex-presidente da Junta de Freguesia do Barreiro. Tem 82 anos e veio à Festa com o marido e o neto. Está presente nesta edição pela mesma razão que esteve nas outras: é comunista. Quando questionada sobre a pandemia, responde ao SOL: «Não tenho medo. Somos pessoas conscientes e aquilo que nós fazemos no nosso dia-a-dia, como ir às compras e cumprir a distância de segurança, vamos cumprir aqui também. Estou tranquila».

A ex-presidente da Junta assume-se magoada com as difamações feitas em relação ao partido e à Festa do Avante! e acrescenta: «Não queremos voltar ao fascismo, sofremos com o Salazar e a sua ditadura. O meu marido foi preso pela PIDE e eu fui perseguida e, como tal, não podemos acatar estas difamações».

«O corona não me fez repensar em vir ao Avante!, assim como não me fez repensar em ir trabalhar, ou ir às comemorações do 1º de Maio, assim como não fez repensar em defender os direitos dos trabalhadores» – são palavras de Maria do Céu Rato, 58 anos. Veio da Amadora com as amigas, inclusivamente com uma bebé de 9 meses. Uma das suas amigas acrescenta: «Mesmo que eu pensasse em não vir à festa, com os conselhos do primeiro-ministro eu viria: se ele aconselha a ir à praia, aconselha a ir à Feira do Livro, com certeza também aconselha a vir à Festa do Avante!».

João Barreiros, de 31 anos, vem à Festa do Avante! acompanhado de Hugo Gonçalo, 33 anos, e Laura, com apenas 3 anos. Diz ao SOL que este ano sente que é particularmente importante estar presente. É técnico de luz em espetáculos e teme que, se a pandemia continuar durante muito mais tempo, venha a ter consequências graves a nível profissional. Relativamente à festa ocorrer em tempo de pandemia, João Barreiros não hesita: «Isto é um ano atípico para todos, inclusive para a festa do Avante!. Existem uma série de regras que nos obrigam a viver a Festa de outra forma e é aceitando essa realidade diferente que temos de a fazer». O técnico de luz admite que se sente seguro na Atalaia: «Agora estou aqui a beber uma cerveja, quando acabar meto a máscara e vou por aí acima, coisa que não acontece quando vamos a uma esplanada».

Miguel Luís e Laura Fabiana vieram da Madeira de propósito para a festa. Apesar de ser a sua primeira vez na Quinta da Atalaia, Miguel Luís diz que já é membro do partido há muitos anos: «Mas nunca tive oportunidade de vir». O casal, de 31 e 19 anos, respetivamente, não se deixou intimidar pelo vírus e acredita que «se cada um fizer a sua parte e tiver cuidados» não haverá um aumento do número de casos de covid-19.

Não fora o de pessoas no recinto ser manifestamente menor, ninguém ali diria que esta é a Festa do Avante! mais polémica dos seus 44 anos de história.

*Texto editado por Vítor Rainho