Algarve troca laranjas por peras abacate

A agricultura tem dado passos largos nos últimos anos no que diz respeito a alterações. Mudança de produções, aliada à tecnologia tem ditado as novas regras no setor.

Apesar do Governo querer revolucionar o setor agrícola na próxima década, já se assistiu a muitas mudanças nesta indústria nos últimos anos, como reconhece ao SOL, Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). Mudança de produções ­– como a aposta na produção da pera abacate, kiwis e mirtilos, por exemplo – e o uso de drones. Sensores de rega e recurso de tablets para controlar a humidade do solo são alguns dos exemplos que têm sido seguidos pelos empresários. «Mudou muita coisa. Evoluiu muito o conhecimento e essa foi a maior mudança. Há questões que são abordadas de forma diferente, como é o caso da questão do carbono, da biodiversidade, da proteção do solo e da sua própria utilização com vista a utilizá-la de uma forma mais reduzida e eficiente».

E de acordo com o responsável, os resultados estão à vista. Neste momento, o setor agrícola exporta tanto como o setor têxtil e do calçado juntos. Três apostas que, ainda esta semana, foram consideradas prioritárias por António Costa para relançar a economia nacional.

Também a ministra da Agricultura, reconhece essas alterações. «A agricultura de precisão é uma realidade. Os sistemas de controlo, da água, do recurso hídrico, são vistas de outra maneira, assim como da administração de fitofármacos», admite ao SOL. No entanto, reconhece que a tecnologia ainda não está acessível a todos e fica refém nomeadamente das maiores explorações e dos grupos económicos mais fortes. «O que queremos é universalizar este acesso para que ninguém fique para trás».

Os padrões de consumo ditaram as alterações de regras. E o setor, que no entender de Maria do Céu Antunes, «é muito dinâmico, acaba por estar muito atento a essas tendências de mercado».

Uma opinião partilhada por Luís Mira. «Metade da resposta tem a ver com os consumidores. Se os consumidores querem esses produtos, como a pera abacate, o mirtilo e o kiwi, então faz sentido ver se há condições para os produzir em Portugal e se houver avança-se», refere ao SOL, lembrando que esses produtores por serem «altamente profissionais, acabam por apostar muito na inovação».

De acordo com o responsável, quem aposta neste tipo de produção é controlado pelos fornecedores que compram esse produto. «São muito exigentes na forma como fazem as suas produções porque são controlados por quem compra e que vão desde o pessoal que contratam aos produtos que utilizam. Quem faz contratos com os fornecedores em Inglaterra ou no norte da Europa tem de assumir um caderno de encargos com essas condições. Esses contratos, por exemplo, obrigam a ter no meio do campo casas de banho portáteis só porque eles querem, nenhum dos trabalhadores pode ter brincos nem anéis e vêm verificar o cumprimento dessas condições durante as colheitas», lembra Luís Mira.

Mas apesar dessas exigências, o secretário-geral da CAP, reconhece que há muitos produtores a desistir da produção de laranjas e substitui-las por pera abacate. «O abacate está a começar a entrar no Algarve e enquanto o mercado tiver apetência para comprar este produto vai continuar a existir essa aposta porque é um bom negócio e os produtores veem isso como uma boa oportunidade de ganharem dinheiro, já que a laranja, apesar de ser muito boa, nunca teve dimensão para poder, por exemplo, fornecer uma grande superfície durante um ano inteiro». E a explicação é simples: «Para se fornecer uma superfície comercial o ano inteiro tem de existir várias variedades de laranja, não pode ser sempre a mesma, o que não acontece com os produtores algarvios».

Também a ministra da Agricultura reconhece ao SOL essa tendência. «Hoje o abacate é uma tendência de consumo internacional fortíssima. Já temos alguma produção, mas sabemos que é uma cultura muito exigente do ponto de vista do recurso hídrico. No entanto, também sabemos que as explorações que neste momento estão a produzir abacate têm sistemas altamente eficientes na gestão da água que torna esta cultura próxima de outras culturas que eventualmente sejam mais tradicionais».

Outra alteração diz respeito aos olivais. Luís Mira lembra que os olivais no Alentejo em sebe foram uma forte aposta porque passaram a existir máquinas que conseguem colher, podar e fazer todos os tratamentos. «Se aquilo fosse feito como era antigamente com cinco pessoas a varejar uma oliveira e mais três a apanhar no chão, não havia hipótese. Ninguém apostava num olival porque sabia de antemão que não tinha mão-de-obra para fazer aquilo. E a mão-de-obra continua a ser atualmente uma limitação», acrescenta.

Uma história diferente diz respeito aos frutos vermelhos que continuam a exigir mão-de-obra para a sua apanha. A explicação é simples: «Não há nenhuma máquina para apanhar mirtilos ou framboesas» e, nesse caso, depende de trabalhadores. «São culturas que se têm de fazer naquele período e, muitas vezes, ao sábado e ao domingo, para fornecer em poucos dias não sei quantas toneladas de mirtilo, não se pode estar à espera e dizer que não podemos. É como a cereja e a framboesa, não esperam. Ou apanha-se ou perde-se e vai para o lixo», refere.

 

Tecnologia ao serviço do setor

O recurso à tecnologia também deu um ‘empurrão’ ao setor e poderá ser ainda ganhar maior relevo com a tecnologia 5G. «Vamos ter muitas aplicações para a agricultura, assim que ela estiver implementada». Mas enquanto não existe, muitos dos agricultores apostam em robots e em drones, um trabalho que até aqui teria de ser feito manualmente. «A tecnologia veio trazer pequenos equipamentos para funcionar em pequenas e grandes parcelas. Não preciso de uma avioneta quando posso ter um um drone a fazer todo o controlo do terreno. Também na parte da produção temos tecnologia que nos permite usar muito menos água na rega e sermos verdadeiramente cirúrgicos, usar muito menos adubo, muito menos pesticida ou só usar quando é verdadeiramente necessário porque existem meios de diagnóstico e meios de conhecimento que não existiam há 30 ano», garante Luís Mira.

O recurso à tecnologia também pode ser usado para controlar a meteorologia, desde que não sejam catástrofes. «Se tenho tendência para ter campos alagados aposto num sistema de drenagem. Já vi nos EUA e em Portugal também se começa a pensar nisso de existirem grande ventoinhas com calor para que possam ser aplicado nos dias em que haja risco de geada. E se vem um período de grande seca também tenho um sistema de rega que consigo compensar», refere ao SOL.