A Justiça pelas ruas da amargura…

Na Operação Lex há de tudo, desde dinheiro vivo a circular por ‘debaixo da mesa’ para alimentar a vida faustosa de um juiz, até às cumplicidades de alcova para lavrar acórdãos a meias…

Quando vemos acusados na praça pública o ex-presidente de um tribunal superior e dois juízes desembargadores, haverá razão para ficar «feliz independentemente do que suceda na tramitação destes processos», como deixou dito Marcelo Rebelo de Sousa, ou deveremos, antes, sentir um profundo constrangimento pelo estado a que chegou a Justiça, lançada por alguns às ‘ruas da amargura’, onde se alternam os ‘estardalhaços’ mediáticos com impasses demorados e silenciosos?

Quando os processos se eternizam, anos a fio, atafulhando os tribunais, sem desfecho à vista, que confiança pode merecer a Justiça, que não é aplicada em tempo útil , correndo o risco, não raramente, de que a ‘culpa morra solteira’ ou de que a pena, por ser tardia, perca boa parte da sua eficácia?

Quando a Justiça permite que política, corrupção (e futebol) se entrelacem na sua teia, ou quando se vicia a distribuição de processos para estes caírem em ‘mãos amigas’, é a sua credibilidade que fica doravante abalada, minando os alicerces de um pilar fundamental num Estado de Direito.

No rol acusatório da Operação Lex há de tudo, desde dinheiro vivo a circular por ‘debaixo da mesa’ para alimentar a vida faustosa de um juiz, até às cumplicidades de alcova para lavrar acórdãos a meias.

As semelhanças entre os libelos contra o ex-primeiro ministro, José Sócrates e contra o ex-juiz desembargador, Rui Rangel, dão que pensar. Em ambos se percebe a mesma ambição de viver bem, muito acima das posses, recorrendo, para isso, a esquemas complexos de amigos e de interesses. Comparem-se as conclusões. Vale a pena.

Razão tem o presidente da Associação Sindical dos Juízes, Manuel Soares, para estar preocupado, reconhecendo que o «sistema funcionou tardiamente» e ao admitir que «seria cínico dizer que isto não tem influência na confiança das pessoas». Claro que tem.

Mas é justo salientar que a Associação não procurou iludir ou desvalorizar a gravidade do problema, com tiques corporativos tão habituais noutras circunstâncias. Manuel Soares realçou, inclusive, que «se a corrupção é inaceitável na política e nos outros setores da sociedade, na Justiça é inaceitável a dobrar»

Tem razão e exemplifica com o facto de Portugal ocupar um pouco lisonjeiro 21.º lugar na Europa a 27, na perceção pública sobre a independência do poder judicial, segundo o ‘Justice Scoreboard’, de 2020, que compara os sistemas judiciais da União Europeia.

Por isso, andou bem o Conselho Superior da Magistratura, ao antecipar-se à borrasca, instaurando um procedimento disciplinar contra Rangel, que levou à sua expulsão da carreira, forçando, igualmente, a aposentação compulsiva da juíza Fátima Galante.

Mas nem sempre assim acontece. Outro magistrado, o procurador Orlando Figueira, embora condenado em primeira instância na Operação Fizz, em 2018, a uma pena efetiva de prisão, ainda aguarda o desfecho do recurso pendente que interpôs no Tribunal da Relação, sem que o Conselho Superior do Ministério Público, presidido pela atual PGR, Lucília Gago, tenha seguido o exemplo do CSM, extraindo as consequentes implicações disciplinares.

Embora a Justiça pareça estar mais sujeita a escrutínio – o que é o lado positivo da história –, surgiu, entretanto, nas redes sociais uma outra questão curiosa, que tem passado nos ‘intervalos da chuva’.

O juiz Ivo Rosa, que tem entre mãos o despacho da decisão instrutória em relação a José Sócrates e a outros arguidos na Operação Marquês, foi escolhido, e eleito em dezembro de 2011, para integrar o chamado ‘Mecanismo’ da ONU (IRMCT), juntamente com os seus pares.

O nome daquele magistrado foi então proposto como candidato para a bolsa de 25 juízes do ‘Mecanismo’, após consulta aos Estados-Membros, durante a vigência do Governo de José Sócrates, e empossado em maio de 2012 para um mandato de quatro anos.

Segundo noticiou a Lusa, Ivo Rosa foi convidado por carta de António Guterres para ser reconduzido nessas funções por mais dois anos, facto de que deu conhecimento aos membros do CSM.

Este tema veio à colação num contexto delicado, em vésperas da leitura do acórdão de Sócrates por aquele juiz. Será que todos se sentem confortáveis com esta recondução, desde Guterres a Ivo Rosa?

Nota em rodapé – A líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, que nunca primou pela subtileza, interveio nas jornadas socialistas para agitar o novo papão contra «o populismo, o discurso do medo e o extremismo» (de direita, de esquerda?) e admoestar as ordens profissionais que, segundo a deputada, não podem ser «um sindicato disfarçado».

Sabe-se como o PS e o Governo têm convivido mal com as Ordens, mas o recado com a ameaça velada é uma novidade. O socialismo, no seu pior, saiu da gaveta…