A ‘bazuca’ do largo do Rato…

Há uma asfixia crescente que está a condicionar a democracia. E faltam os contrapesos que libertem o país dessa erosão perigosa. A bazuca do Largo do Rato está hiperativa

Um a um, os poucos resistentes que teimaram em preservar a independência das instituições que dirigiam, vão sendo ‘abatidos’, com a explicação inocente do primeiro-ministro, de que se trata, simplesmente, de respeitar o principio acordado com o Presidente da República do mandato único em certos cargos, algo que não está escrito em lado nenhum, mas que já serviu para remover Joana Marques Vidal na Procuradoria Geral da República.

A ostensiva – e inédita – não recondução do juiz conselheiro Vítor Caldeira, à frente do Tribunal de Contas, e a sua rápida substituição por um ‘homem da casa’, cuja proximidade com ‘apparatchiks’ de Sócrates não foi desmentida, reflete um padrão comportamental de António Costa. 

Por um lado, não perdoa a quem queira exercer o seu múnus com independência; por outro, nunca desistiu de reabilitar fiéis de Sócrates, no interior do governo ou na sua órbita.

O episódio mais recente foi a contratação de Vítor Escária para seu chefe de gabinete, antigo assessor económico do ex-primeiro-ministro. Claro que num país de memória curta, o alarido esmoreceu depressa, e o assunto caiu no esquecimento.

A nomeação apressada do novo presidente do TdC seguiu o modelo ensaiado na mudança da PGR, contando com a estranha passividade de Belém: num dia Marcelo não sabia de nada; no dia seguinte, assinou ‘de cruz’ e aceitou sem pestanejar a vontade de Costa. Em ambos os casos, por coincidência, Marcelo elogiou o seu desempenho. Votou vencido?…

A pouco e pouco, os órgãos fiscalizadores do governo perdem fôlego. O próprio Parlamento, com a nova fórmula de debates parlamentares – inventada por Rui Rio e acolhida pelo PS de braços abertos –, diminuiu o escrutínio do executivo, poupando o primeiro ministro.

São sinais preocupantes. O ‘render da guarda’ no TdC e a escolha anunciada são de mau augúrio. A ‘domesticação’ em curso ‘amansou’, primeiro, a maioria dos media, hoje ajustados ao guião de São Bento. O alinhamento diário dos telejornais ilustra a indigência em vigor.

Enquanto se fala, obsessivamente, de Trump ou de Bolsonaro, varrem-se para ‘debaixo do tapete’ os temas incómodos.

Há uma asfixia crescente que está a condicionar a democracia, privando-a de respiração vital. E faltam os contrapesos que libertem o país dessa erosão perigosa. A bazuca do Largo do Rato está hiperativa. 

Calhou agora em ‘sorte’ Vítor Caldeira, ‘despedido’ com um telefonema de António Costa. E já não sobram muitos ‘empecilhos’ a estorvar as suas ambições. 

Antigamente, constava que Salazar despedia ministros com um cartão de cortesia. Costa prefere usar o telefone. É mais expedito.

O destino de Caldeira estava, obviamente, traçado, desde que uma auditoria do Tribunal criticou a venda, por valores inferiores à avaliação de mercado, de um conjunto de imóveis da Segurança Social para servir os desígnios de Fernando Medina, num programa de arrendamento do Município. 

Claro que o candidato a ‘delfim’ de Costa irritou-se com a história, e gritou barbaridades sobre o parecer do Tribunal, que pusera a descoberto os contornos do negócio. 

Com o ‘caldo já entornado’ o Tribunal ‘permitiu-se’ ainda pôr a nu as novas regras para a contratação pública, propostas pelo Governo, visando os dinheiros de Bruxelas.

Esta ‘ingerência’ do TdC, ao considerar que alteração do modelo de contratação aumentava «as possibilidades de conluio na contratação pública e distorção de concorrência (…) e até mesmo de corrupção na construção pública», seria a gota de água capaz de fazer ‘transbordar o copo’. 

Não tardou, por isso, a ‘ordem de marcha’ para despachar Caldeira, seguindo o destino de Joana Marques Vidal. 
Sem oposição, tanto à esquerda como à direita, e com Marcelo Rebelo de Sousa preso no seu labirinto, refém dos gráficos de popularidade, o primeiro ministro e o Governo queimam paulatinamente etapas, eliminando quaisquer obstáculos que lhe tragam chatices. 

Entretanto, para entreter e desviar as atenções, o Bloco representa, à esquerda, a farsa da ‘dúvida metódica’ sobre o Orçamento, enquanto vai negociando cedências nos bastidores. E o PCP, depois de simular um afastamento da ‘geringonça’, já exibiu o ‘caderno de encargos’, no qual defende «o aumento geral dos salários para todos os trabalhadores». Para os comunistas não há crise… 

Depois, para compor o ramalhete, distrai-se o povo com a algazarra da extrema direita e dos populismos, e até o diretor da Policia Judiciária, numa entrevista sui generis ao Expresso, viu «com preocupação a multiplicação em Portugal das novas formas de fascismo e neonazismo».

Para não o deixar a falar sozinho, coube a Marcelo Rebelo de Sousa advertir no 5 de Outubro, que «não queremos ditaduras em Portugal». Fez bem em lembrá-lo. O estalinismo e o trotskismo também andam por aí…