Orçamento de Estado não convence economistas

Bagão Félix, Ferraz da Costa, Nuno Teles e César das Neves também se mostram reticentes em relação às metas de crescimento e da taxa de desemprego apresentadas pelo Governo face ao cenário de incerteza provocado pela pandemia. 

Orçamento de Estado não convence economistas

‘Documento político e propagandista’, ‘a pensar nas eleições’  e ‘a apoiar-se na ilusória esperança de um recuperação rápida do setor privado e da economia internacional’ são algumas das críticas feitas pelos economistas contactados pelo SOL à proposta de Orçamento do Estado do próximo ano que já foi entregue no Parlamento.

Bagão Félix, Ferraz da Costa, Nuno Teles e César das Neves também se mostram reticentes em relação às metas de crescimento e da taxa de desemprego apresentadas pelo Governo face ao cenário de incerteza provocado pela pandemia.

‘Sem medidas estruturantes de investimento público e reestruturação da economia’  não há criação de riqueza, o que torna mais difícil a tarefa do país em conseguir recuperar. As empresas, essas, parece que foram esquecidas pelo Governo.

António Bagão Félix
‘Em 2021 há autárquicas’

«O Orçamento ser bom para os portugueses é uma declaração de pura retórica política». A garantia é dada ao SOL por António Bagão Félix, mas deixa uma ressalva: «Mal seria se um dia um ministro das Finanças dissesse que o seu Orçamento de Estado era mau para os portugueses e para Portugal. Mas se é bom para os portugueses, gostaria de perceber por que razão, a receita fiscal cresce mais do que o PIB nominal (PIB real de 5,4%)» e dá como exemplo o facto de a receita de impostos aumentar mais 8% face a este ano. «Nos impostos diretos – e apesar da perda de 200 milhões por força das menores retenções de IRS – a taxa de variação é de +8,7% e nos impostos indiretos – apesar da perda de IVA do IVAucher de 200 milhões e da eletricidade de 150 milhões de euros – é de 7,5%».

Em relação à poupança prometida em termos de IRS, o economista chama a atenção para o facto de não se assistir a uma mudança dos escalões, mas a uma menor retenção sobre os rendimentos de trabalho, que serão compensados em 2022 por aumento de receita resultante da liquidação final do imposto. Apesar de aplaudir a medida, uma vez que pode aumentar o consumo nesta situação de crise, considera que «é um valor exíguo, pois este ‘imposto de tesouraria’ consiste em adiantar dinheiro ao Estado que o devolve passados 12 meses em média (sem juros, claro) e atinge globalmente os 3 mil milhões», acrescentando que «este valor agregado vai muito além dos rendimentos de trabalho, mas o certo é que os tais 200 milhões são apenas 6,7% do tal adiantamento a que chamo ‘imposto forçado de tesouraria’. Esta medida, por um lado, vai dar um pouco mais de rendimento aos contribuintes abrangidos que, depois, irão receber menos no cheque de encontro de contas antes do verão de 2021. Nada é ingénuo nestas coisas. Não esqueçamos que em 2021 há eleições autárquicas e,  no ano seguinte, não há eleições», refere.

Para Bagão Félix, no atual contexto, acertar em previsões macroeconómicas «é quase tão difícil como obter um prémio numa qualquer raspadinha. Sendo sobretudo determinadas, a nível global e a nível nacional, pela evolução da covid-19». E vai mais longe, considerando que as previsões são assentes num cenário otimista. «Não esqueçamos que, no caso do PIB, falamos de um crescimento sobre uma base de 92% do PIB de 2019 (se a recessão deste ano for de 8%). Quanto à taxa de desemprego, acho quase irrealista». E deixa um alerta: esta última «pode ser dissimulada» por layoff e o por outras medidas que aumentam a população inativa e não a desempregada. O economista mostra-se também reticente em relação à dívida prevista, que é de 130,9% do PIB. «É uma previsão algo voluntarista, em 2021 só o défice orçamentado de -4,3% aumenta o valor total da dívida em cerca de 9,1 mil milhões de euros. A isso acrescem apoios a empresas do Estado para além do previsto na proposta de OE. É o caso manifesto da TAP que – como um amigo meu diz – é uma ‘entidade sem fins lucrativos’ (tal como a CP e uma série delas às costas dos contribuintes todos os anos)», salienta.

Quanto à garantia de João Leão em relação a não haver dinheiro para o Fundo de Resolução, o economista diz que se trata de «um grande imbróglio com origem na reivindicação do BE, que só este ano entendeu pôr em cima da mesa como ponto essencial para as negociações, ao contrário dos anos anteriores. Evidentemente que a última proposta deste partido é de todo irrealista e, seguramente, não passaria no crivo europeu».

E entende que, perante a pressão, o Governo entendeu não emprestar mais dinheiro ao Fundo de Resolução, devendo ser os bancos a fazê-lo: «É uma solução para mais tarde recordar e pagar». E explica porquê: «Tenhamos em conta que o sistema bancário já faz anualmente as suas contribuições regulares para o Fundo. Exigir neste momento que faça também este esforço é muito arriscado. A banca está a sentir, naturalmente, alguma erosão nos seus rácios fundamentais e ainda não se vê o que pode acontecer, de negativo, quando terminar a moratória dos seus créditos a empresas e particulares», acrescentando que «o ‘pecado original’ (tão original que Portugal foi a única cobaia deste modo de resolução bancária) de serem os bancos concorrentes a ter de salvar um banco em deficiente estado por má gestão e indícios de irregularidades e fraudes do seu banco progenitor, é o que se pode chamar, em linguagem futebolística, o benefício do infrator. Acontece que, mais tarde ou mais cedo, esta história da carochinha vai acabar com os contribuintes a verem transformados empréstimos do Estado em perdões dessa dívida aos bancos. Tanta ginástica de pura tática política para, no próximo ano, de uma ou de outra maneira, o valor ser acrescentado ao défice, pois o FR está inserido no perímetro público orçamental».

 

Pedro Ferraz da Costa
‘É só para satisfazer BE e PCP’

Pedro Ferraz da Costa não tem dúvidas: «A proposta de Orçamento do Estado para o próximo ano é só para satisfazer as exigências do Bloco de Esquerda e do PCP», diz ao SOL. Mas também explica esta tendência. «É um Governo de sobrevivência e para sobreviver no poder acaba por se hipotecar porque está sempre a trabalhar com um cenário de risco de haver eleições a qualquer momento. Estas cedências nunca dão bom resultado. Este documento tem apenas um efeito político e propagandista». E crítica a ameaça dos partidos de esquerda de, ainda assim, não aprovarem o documento. «Estão a brincar connosco».

Ferraz da Costa também não poupa algumas medidas avançadas no documento. Uma delas diz respeito ao aumento do subsídio de desemprego. Apesar de reconhecer que é preciso dar uma atenção especial ao mais desfavorecidos, considera que o aumento acaba por criar desequilíbrios. «Qualquer dia um desempregado ganha mais do que uma pessoa que esteja a trabalhar. Não faz sentido. Qualquer dia só um parvo é que trabalha», refere.

E garante que, atualmente, quem ganha 20 mil euros por ano não tem nenhum partido que o defenda.

Ferraz da Costa lamenta que, mais uma vez, as empresas são esquecidas no que diz respeito às medidas. «Nada foi pensado, não está prevista a entrada em novos mercados e a aposta em novos setores» e põe em causa o crédito fiscal concedido às empresas por um período de seis meses. «Mais valia que fosse por um ano. O que vai acontecer? As empresas têm seis meses para gastar esse crédito e vão gastá-lo a correr».

Já em relação à TAP considera que vai ser ‘um buraco sem fundo’. «Já se percebeu que o Governo vai gastar o que preciso para sustentar a TAP». E face a esse cenário, há o risco de o Governo ter de avançar com um ou dois orçamentos suplementares.

O economista lamenta ainda que a criação de riqueza tenha ficado de fora do Orçamento, e considera que face à pandemia é expectável que todas as previsões possam não ser cumpridas.

Ainda assim, elogia que tenha havido «uma manifesta prudência no documento em não prever aumentos dos salários para a Função Pública», acrescentando que «só assim se consegue pôr fim à política de tratar melhor uns trabalhadores do que outros».

Também considera positiva a garantia do primeiro-ministro de que a verba que será usada para alguns investimentos seja dinheiro a fundo perdido e não recurso a empréstimos. «Portugal já está demasiado endividado para seguir outro tipo de estratégia. Somos uma das economias mais endividadas do mundo. E a agravar este cenário está o facto de o país não se ter preparado adequadamente nestes últimos anos. Também é bom dizerem que vão ter uma especial atenção ao crescimento da dívida, que está em níveis recorde», defende.

Além disso, o economista lembra que Portugal vai ter «de cumprir determinadas regras em termos da União Europeia e é evidente que precisamos de as cumprir até porque precisamos de estar em situação de ter acesso aos mecanismos de apoio ao investimento».

 

Nuno Teles
‘Uma ilusória esperança de recuperação’

«Este é um orçamento que, à imagem do que foi o orçamento suplementar, pretende, nas suas diversas medidas, amortecer o impacto da crise», garante Nuno Teles ao SOL. O economista chama a atenção para o facto de o documento se apoiar «na ilusória esperança de um recuperação rápida do setor privado e da economia internacional». E vai mais longe ao defender que «sem medidas estruturantes de investimento público e reestruturação da economia, não encontramos muita esperança para quem já perdeu o trabalho e o rendimento».

Já em relação às metas definidas no Orçamento, Nuno Teles garante que é difícil fazer previsões sobre a evolução do PIB para o próximo ano face à paragem da economia deste ano devido ao confinamento, mas afirma que é expectável que a economia cresça no próximo. «As previsões do Governo de um crescimento de 5,4% são de uma rápida recuperação. Ora, o aumento progressivo de despedimentos cuja dimensão ainda é difícil de prever devido ao layoff, aliado à incerteza nacional e internacional que a própria pandemia traz, é razão para ser cético. Por outro lado, este orçamento traz um esforço insuficiente e incerto do Estado no que toca ao investimento público (que cresce, mas vem de mínimos históricos). Este não é o orçamento contra-cíclico que se impõe face à gravidade da crise», refere.

Quanto à taxa de desemprego, o economista admite que as previsões «refletem o otimismo do Executivo não só de uma rápida recuperação, mas também do real impacto da atual crise, cujos efeitos estão ainda longe de serem claros, devido às medidas de emergência. Acresce que, dada a dependência do emprego recente de setores como o turismo, não é fácil ser tão otimista como o Governo».

Também o aumento do endividamento é visto pelo economista como natural tendo em conta o atual contexto económica. Mas deixa um alerta: «Devido ao trauma do que foi a crise do Euro em 2011-12 há uma clara inibição do Governo em recorrer a endividamento para relançar a atividade económica. Pode parecer um bom princípio de cautela, mas não o é. Ao contrário do que aconteceu em 2011, o BCE está no mercado a comprar títulos de dívida pública dos diferentes Estados da zona euro, mantendo assim taxas de juro muito próximas do zero para países como Portugal».

Mais difícil de compreender é, para Nuno Teles, a alternativa de um empréstimo do sistema financeiro nacional ao Fundo de Resolução. «Se cumpre o objetivo da não transferência orçamental, estamos a falar de empréstimos a uma entidade que está no perímetro do Estado, logo que contará para efeitos de défice. Na prática, o mais provável é que o financiamento do FdR será mais caro do que o financiamento que seria conseguido através de endividamento através de emissão de dívida. Por mera manipulação contabilística, arriscamo-nos a onerar mais uma entidade pública», conclui.

 

João César das Neves
‘TAP e NB são dois cancros’

«Este é um dos orçamentos mais difíceis de fazer, porque ninguém sabe o que acontece logo à tarde. Ninguém pode criticar muito, porque ninguém sabe como fazer melhor». A garantia é de João César das Neves. Já sobre a declaração de João Leão de que «o Orçamento é bom para Portugal e para os portugueses», diz apenas: «É aquilo que todos os ministros sempre dizem».

Em relação ao cenário macroeconómico, o economista considera que «não é realista, mas o Governo optou por se colocar na zona menos desfavorável do espetro de possibilidades. Parece uma opção pouco sensata. A probabilidade de a realidade ser muito pior é bastante alta».

Quanto ao facto de a dívida continuar a atingir níveis recorde considera que «é inevitável», acrescentando que «felizmente estamos em tempos de taxas muito baixas. Só quando elas subirem vamos amargar».

João César das Neves critica também a situação da TAP e do Novo Banco. «Trata-se de dois cancros que nos afligem há muito tempo, e este Governo agravou. Quando as coisas azedam, esses problemas agravam-se», conclui.