Macron e o elogio genial a Diego Maradona

E não vale a pena continuar com números e dados que têm sido revelados, mostrando que o Governo não teve uma estratégia adequada para atacar o problema.

Num período em que há tanto barulho de fundo apesar dos pseudoconfinamentos, liga-se pouco ao essencial e muito ao acessório. Veja-se o seguinte: na primeira vaga, em que, recorde-se, o país inteiro foi obrigado a parar durante longos dias, morreram muito menos idosos e os lares não foram tão afetados como só no mês de novembro, na chamada segunda vaga.

Para se ter uma dimensão do que se passa no país, há quatro mil infetados nos lares, quando em abril os registos ficaram pelos 2500. E não vale a pena continuar com números e dados que têm sido revelados, mostrando que o Governo não teve uma estratégia adequada para atacar o problema. Recorde-se o que se passou com o hospital de Penafiel quando a administração alertou a população para não se deslocar às urgências, pois não tinha capacidade para a receber. Só após longos dias é que muitos acordaram para o problema.

História diferente é a da vacina. Ainda não se sabe ao certo quando chega; não se sabe ainda as contraindicações; não se sabe em que grupos será mais eficaz; nem tão-pouco durante quanto tempo terá efeito. Mas o Expresso deu a notícia de uma versão preliminar do programa de vacinação dos peritos da Direção-Geral da Saúde que deixava de fora os mais idosos, e ficou tudo em alvoroço. Depois disso não se discutiu a eficácia das vacinas, apenas a exclusão que estava a ser feita dos velhos. Para militar entender, sem desrespeito pela instituição: ninguém sabe se a vacina vai ser recomendada a pessoas com mais de 75 anos ou não. Ou a crianças. Só depois disso é que se saberá quem ficará de fora.

Deixando a vacina em mãos alheias, o que me apetece escrever – citar – é sobre um magnífico texto do Presidente francês sobre Maradona. Emmanuel Macron teve ainda a graça de dar umas bicadas na Inglaterra, a propósito da Guerra das Malvinas.

Mas Macron leva-nos no final do texto para a fase da sua vida em que tinha apenas oito anos e não se coíbe de falar até na marca de cromos que colecionava: «A todos aqueles que economizaram a sua mesada para completarem finalmente o álbum da Panini México 86 com o seu cromo, a todos aqueles que tentaram negociar com a sua companheira pôr o nome Diego ao filho, aos seus compatriotas argentinos, aos napolitanos que desenharam frescos dignos de Diego Rivera com a sua efígie, a todos os amantes do futebol, o Presidente da República envia as suas comovidas condolências. Diego se queda».

Antes fez uma finta ao seu rival inglês, referindo-se ao Mundial de 86. «Ainda lhe faltava escrever a história de um país marcado pela ditadura e pela derrota militar. Essa ressurreição deu-se em 1986, no desafio mais geopolítico da história do futebol, os quartos-de-final do Mundial contra a Inglaterra de Margaret Thatcher. (…) No mesmo jogo deus e diabo, marcou os dois golos mais famosos da história do futebol. Havia um rei Pelé, passou a haver um deus Diego».

Vejamos agora como começava o testemunho do Presidente francês. «A mão de Deus tinha colocado um génio do futebol na terra. Ela acaba de o levar de novo, num drible imprevisto que enganou todas as nossas defesas. Um jogador sumptuoso e imprevisível, o futebol de Maradona nunca antes se vira. Com uma inspiração sempre renovada, inventava gestos e golos novos. Um bailarino em botas de futebol, não era um atleta mas um artista, encarnava a magia do jogo». Valdano, um poeta futebolista, não diria melhor. Voltando à política, Macron deu outra bicada certeira: «Essa identificação com o povo, Maradona também a viverá fora dos relvados. Mas as suas incursões junto de Fidel Castro e de Hugo Chávez terão o sabor de uma derrota amarga. Foi de facto nos relvados que Maradona fez a revolução». Bravo.

vitor.rainho@sol.pt