O bobo da República

“Olha para o que eu digo, não para o que eu faço”! Esta foi a fórmula encontrada por Séneca, principal conselheiro do Imperador Nero durante os primeiros anos do seu reinado, para se justificar perante aqueles que acreditavam nas suas ideias mas questionavam o seu comportamento.

Séneca provinha de uma das mais ricas famílias de Roma e a sua vida faustosa entrava em colisão permanente com os ideais que apregoava, assentes na corrente filosófica do estoicismo, defensora do primado da verdade e da submissão a uma vida isenta de excessos.

Na actualidade, essa dupla personalidade, a de se defender uma ideia oposta ao tipo de vida que se leva, atingiu o seu apogeu e tem ganho a sua máxima expressão principalmente entre aqueles que se procuram mostrar como os mais solidários com os desfavorecidos da sociedade.

Choram as dores dos que consideram serem os fracos e os oprimidos, mas não abdicam dos luxos que a vida burguesa lhes proporciona.

Por cá abundam exemplares dessa espécie, normalmente agrupados em movimentos políticos e cívicos que se afirmam de esquerda, mas cujo contributo para o eliminar das desigualdades sociais tem sido nulo.

Nos últimos tempos tem-se destacado, pela negativa, um desses fervorosos defensores dos direitos das classes trabalhadoras, mas cujo estilo de vida se encontra nos antípodas daqueles que, efectivamente, sofrem por escassez de meios de sobrevivência.

Trata-se de um suposto humorista, que responde pelo nome de Ricardo Araújo Pereira!

Confesso que nos primórdios dos “gatos fedorentos” deliciava-me com as suas paródias, simples, sem recorrerem ao humor brejeiro então muito na moda e politicamente imparciais, porque todos os políticos levavam pela mesma tabela.

Este distanciamento de uma conotação política enquanto artistas era, aliás, uma prática recorrente entre os nossos principais humoristas, em particular Raul Solnado, Nicolau Breyner e Herman José, sem dúvida os maiores expoentes dos comediantes que o País conheceu nas décadas mais recentes.

Tinham, naturalmente, as suas simpatias políticas, Solnado mais à esquerda, Nicolau mais à direita e Herman a dar-se bem com todos, mas enquanto humoristas sempre se caracterizaram pela isenção das suas intervenções, tanto em espectáculos como em aparições televisivas.

Comportamento completamente contrário tem sido o evidenciado por este Pereira que, a partir do momento em que a fama lhe subiu à cabeça, progressivamente revelou-se um arrivista político sem vergonha!

Deixou de ser um comediante, para se transformar num palhaço sem graça e sem seriedade.

Os palhaços, reconheça-se, desempenham um papel extremamente meritório nos palcos em que se exibem, que são, como bem sabemos, os dos circos.

O seu público-alvo são as crianças, que se derretem com as suas salutares parvoíces, mas, obviamente, não cativam da mesma forma os adultos, que se deslocam ao circo para presenciar outro tipo de actividade artística.

O Pereira, no entanto, perdeu-se no tempo, tendo deixado de possuir a capacidade de discernimento que lhe permitiria distinguir um momento de puro humor de uma simples palhaçada.

Os palhaços dos circos são ofensivos na brincadeira, simulando divertidas zaragatas, mas os palhaços da vida real, na qual se movimenta o Pereira, são conflituosos e injuriosos, e conscientes das maldades dos seus actos.

O Pereira arranjou um ódio de estimação e serve-se do protagonismo que um canal de televisão lhe ofereceu, a troco de uma soma monetária que daria para saciar a fome a milhares de crianças carenciadas, para empreender uma guerra sem tréguas a um partido constitucional, o qual nunca pôs em causa o estado de direito democrático vigente no nosso sistema político.

Sempre que aparece no ar aproveita para se enrolar em palhaçadas sem sentido, procurando denegrir esse partido e, em particular, o seu principal dirigente, a quem não poupa com constantes insultos injuriosos.

Definitivamente, esqueceu-se de se limitar a representar o papel para que lhe pagam principescamente, exorbitando-se antes num arrivismo político extremista, deixando transparecer a ideia de que se encontra em permanente campanha eleitoral.

Pelo meio vai garantindo que jamais convidará o presidente do partido em causa para ir ao seu programa, por o considerar anti-democrático, mas, atente-se a grotesca contradição, derrete-se com os seus fofinhos convidados, apologistas e admiradores dos maiores facínoras sanguinários de que a História regista, como Lenine, Estaline, Pol Pot, Mao Tse Tung, Fidel Castro, Che Guevara, entre outros reconhecidos ditadores.

Claro, estou em crer, que este Pereira, mesmo enquanto se deleita com umas deliciosas ostras, bem acompanhadas por um estupendo champanhe, não se esquece das centenas de milhares de vítimas sem culpa formada do Gulag soviético, mortas à fome e à exaustação em campos de concentração, saudando-as com um sentido brinde.

Nos tempos medievais as cortes tinham um bobo, a quem tudo era permitido, incluindo o insulto dirigido a qualquer um. Normalmente pessoas com anomalias físicas e psíquicas, mas que conseguiam divertir os os habitantes da corte com as suas estúpidas palhaçadas.

Hoje, a república tem o seu bobo!