Um ministro inocente

Em Março deste ano, no aeroporto de Lisboa, um cidadão ucraniano foi condenado a uma morte lenta, infligida através de constantes sevícias que se prolongaram ao longo de dois dias.

Os carrascos foram funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que recorreram a métodos próprios de um regime medieval, à revelia de qualquer sentença judicial.

O caso foi de imediato denunciado junto da opinião pública, inclusive com a divulgação do relatório de autópsia, o qual não deixava qualquer dúvida quanto à natureza das torturas aplicadas a um estrangeiro sob o qual não recaía nenhuma suspeita da eventual prática de um crime.

No entanto, foram necessários nove meses, e apenas porque o caso ganhou destaque além fronteiras, para que fossem fixadas responsabilidades políticas, com a demissão da Directora do SEF que, ao contrário do que seria expectável e imperioso, não foi demitida, mas sim, saiu pelo seu próprio pé.

Durante todo este tempo o Estado, sempre lesto e activo na condenação de maus tratos em que as vítimas provém de minorias étnicas, esteve ausente de qualquer tomada de posição em relação a uma das mais graves violações dos direitos humanos a que se assistiu nas últimas décadas.

Nem de Belém, nem de S. Bento e nem das bancadas parlamentares se ouviu qualquer protesto e exigência de um cabal esclarecimento às circunstâncias em que um inocente cidadão encontrou a morte.

Há escassos dias, o ministro responsável pela segurança interna veio-se desculpar através das câmaras de televisão, jurando a sua inocência relativa à presumida omissão de actuação de que tem vindo a ser acusado e garantindo ter sido ele o único a mexer-se para que se faça justiça sobre este hediondo crime.

Auto-proclamou-se também no verdadeiro paladino das causas que visam combater a violação dos direitos cívicos.

Mas o ministro Cabrita foi mais longe nas suas declarações e aproveitou a ocasião para uma confissão no que concerne a um segredo muito mal guardado: o papel da imprensa na lavagem dos podres que assolam a actividade governativa.

Para realçar a tese de que só ele se movimentou nestes intermináveis meses desde que o cidadão ucraniano foi morto numas instalações estatais, acusou a comunicação social de se ter igualmente silenciado na denúncia deste ignóbil homicídio.

Aleluia, finalmente um membro do governo reconhece publicamente que a imprensa está ao serviço dos abutres que nos desgraçam a vida, escondendo deliberadamente qualquer notícia que possa beliscar Costa e seus vassalos!

Imagine-se que este macabro acontecimento tem visto a luz do dia não há nove meses, mas sim há seis ou mais anos, durante a vigência do anterior executivo!

As televisões teriam inundado as nossas casas com directos, entrevistas, comentários e análises de pseudo-especialistas a propósito do ocorrido, não se cansando de apregoar a irredutível mancha de vergonha que se abatera dentro do governo e a indispensável obrigatoriedade do afastamento dos responsáveis políticos da área da segurança nacional.

Os jornais não deixariam cair o assunto em saco roto até que demissões, voluntárias ou impostas, atingissem o cume do aparelho governativo.

E as oposições, com Costa e as meninas do bloco na linha da frente, teriam saído à rua extravasando a sua indignação e exigindo a imediata demissão do ministro que tutela o SEF, se não mesmo a do próprio chefe do governo.

Mas a hipocrisia demonstrativa da podridão em que se atolou a sociedade não se fica por aqui. Imagine-se agora que o estrangeiro vítima das torturas que lhe causaram a morte, em vez de ser um europeu branco fosse um africano negro?

A choradeira que se teria arrastado desde então, com os alegados anti-racistas do costume, capitaneados pelos mamadous de serviço e pelas meninas do bloco, e naturalmente secundados por uma tendenciosa imprensa a soldo de obscuros interesses, a reclamarem por castigos exemplares e pela extinção das forças policiais.

Mais uma vez todos nós, portugueses, seríamos carimbados de racistas e xenófobos!

Mas não, afinal foi só um branco que foi espancado até à morte pelo simples facto de querer entrar em Portugal, pelo que não estamos perante nenhum caso de xenofobia, e muito menos de racismo!

E quando se pensava que este folhetim estava a chegar ao fim, com a exoneração da dirigente máxima do SEF, sacrificada para que mais altas esferas possam escapar entre os pingos da chuva, eis que somos surpreendidos com a intenção governamental de extinguir o SEF, integrando-o, ao que parece, no seio da Polícia de Segurança Pública.

Trata-se de um método maquiavélico, porque se aplica um golpe de misericórdia num serviço de segurança para se poder lavar a face do ministro do qual aquele depende.

Extingue-se o SEF para que o ministro se salve!

E para escurecer ainda mais este quadro, não foi nenhum governante que nos deu a conhecer a boa-nova, mas sim o Director nacional da Polícia que pretende receber os expatriados do SEF, tendo mesmo, para o efeito, deslocado-se a Belém para expor esse plano a quem lá reside.

Por momentos, na mente de todos, ficou a dúvida de que se o ministro Cabrito não teria sido igualmente extinto e no seu lugar não estaria agora sentado um Superintendente-Chefe da PSP!

Estes episódios dariam vontade de rir, não se desse o caso de serem protagonizados por quem tem a responsabilidade de zelar pelos nossos interesses.

Mas a culpa, no entanto, é toda nossa, eleitores, porque votámos e, fazendo fé nas sondagens que nos têm sido facultadas, tencionamos continuar a votar nesta gente!

Depois não se queixem…