O botão de pânico

Manifestamente, na tortura ou na falência, os nossos fantasmas aterram no aeroporto com o trem de aterragem recolhido.

Têm sido meses de silêncio ensurdecedor por parte do Ministério da Administração Interna.

Desta feita não foi um ato de violência policial perpetrado por um polícia estado-unidense sobre um afro-americano.

Talvez que, se esse fosse o cenário, os noticiários internacionais não se coibissem de explorar o tema.

É certo que, nessas paragens, a repetição dos casos é preocupante, a exibição da violência parece um vício e tem como moldura a velha questão racial.

Seja como for, é uma nódoa num país de liberdades que se arvora em polícia dos direitos.

Aqui, em Portugal, é menos comum.

Trata-se de uma democracia europeia, um país venerador dos direitos humanos, um expoente do exercício das liberdades e garantias.

E foi exatamente aqui que um imigrante ucraniano encontrou a tortura, a morte e o esquecimento dos media.

Calou-se o partido do Governo, emudeceram os partidos da esquerda apoiante, desviaram o olhar os partidos da oposição.

Se a direita estivesse no poder saltariam todos os esqueletos do armário.

Neste caso, não.

Claro que, sendo um Estado de direito, interveio o Ministério Público. Direto, frontal, independente.

Investigou e disse. Apurou e propôs.

Nem por isso o Governo e a estrutura policial se comoveram.

Tudo continuou como antes. O ministro emigrou.

Em determinada altura, muitos meses depois, a diretora assumiu a existência da tortura.

Manteve-se olimpicamente no seu posto. O ministro estava distraído.

A Comissária Europeia descreveu a profundidade da vergonha.

E o rumor cresceu. Alguma coisa deveria ser feita.

O quê, por exemplo? Levantar voo (o ministro), assumir responsabilidades, contactar a família do imigrante, prestar ajuda, pedir desculpa, ao menos?

Não. De alguma cabeça privilegiada, nasceu a ideia do botão de pânico.

Ser interrogado é um risco. Garantir a segurança e integridade do interrogado é uma inexistência.

É o pânico que salvará o imigrante. Se carregar no botão. Podendo, claro.

Perante o ridículo, a diretora sai, o ministro anuncia a reestruturação, o primeiro dos ministros está em confinamento.

Os partidos recuperam a voz.

Oportunamente, um outro tema ganha relevância.

A TAP voa, sempre, no horário devido.

Por este Governo foi libertada do jugo privado. Em boa hora, para eles.

País essencialmente alimentado pelo turismo, a pandemia destruiu tudo.

As companhias de aviação, todas elas, entraram pelo cano.

A TAP, agora de maioria pública, não escapou à regra.

A União Europeia arbitrou 1200 milhões de euros de empréstimo.

Feitas as contas, é preciso muito mais.

Elaborado o plano de recuperação, é preciso o acordo da União Europeia.

O plano é dramático nos seus efeitos. Reduzir a dimensão, vender aviões, despedir pessoal, receber mais três mil milhões do Estado.

O Governo tenta insinuar a necessidade da corresponsabilização do Parlamento. Percebe que a coisa correrá mal.

É a altura de recorrer ao botão do pânico.

O ministro agita o fim da TAP.

Manifestamente, na tortura ou na falência, os nossos fantasmas aterram no aeroporto com o trem de aterragem recolhido.

E para isto não há vacina.