No país das maravilhas…

Pedro Nuno Santos e Eduardo Cabrita deviam demitir-se depois dos recentes episódios de desautorizações de que foram alvo.

Se os portugueses quiserem perceber a sério a razão de o país continuar, cronicamente, empobrecido e endividado, dependente das vitualhas europeias, e condenado a transportar a ‘lanterna vermelha’ entre os 27 da União, basta fazerem um exercício retrospetivo, identificando os muitos milhões desbaratados para salvar estruturas arruinadas por incompetências, corrupções ou vigarices de alto coturno.

Desde os contratos nefastos celebrados ao tempo de José Sócrates, por exemplo, nas concessões rodoviárias, com estimativas sumptuárias de receitas de tráfego – obviamente desmentidas pela realidade e sobrando os prejuízos de exploração para o Estado –, até aos recursos mobilizados para acudir à falência do BES, ao pré-colapso da CGD ou, ainda, à TAP, tecnicamente falida, tudo somado é uma gigantesca sangria que recai e recairá sobre os bolsos dos contribuintes.

E tudo isto aconteceu no meio da maior impunidade. Perderam-se entretanto grandes empresas, como a PT, considerada uma das ‘joias da coroa’, e puseram-se bancos no ‘fio da navalha’, graças à promiscuidade e às relações perversas entre o poder instalado e as ambições de gestores e de comissários políticos.

Pagaram-se fortunas por estudos para entreter, que jazem nas gavetas, e alimentaram-se escritórios de advogados na elaboração de pareceres destinados a respaldar, tantas vezes, decisões megalómanas ou para obter conforto jurídico para aventuras pouco recomendáveis.

Vivemos nas primeiras décadas deste século uma ‘bolha’ de deslumbramento com o turismo, sem repararmos que se trata de uma indústria sujeita a não poucas flutuações, humores e contingências. Progrediu-se mais na fantasia do que no lançamento de alicerces sólidos para evitar surpresas ao primeiro abanão do destino.

Hipotecou-se o futuro, destruiu-se valor, venderam-se alguns dos melhores ‘anéis’ a preços módicos. Recreou-se uma atmosfera de fantasia, passando uma esponja pelo descalabro da bancarrota de 2011 de que foram cúmplices alguns dos atuais atores políticos em cena.

Mas nunca haverá ninguém culpado de nada, e mesmo Sócrates ainda aguarda em sossego que um juiz controverso, várias vezes desautorizado pelo Tribunal da Relação (‘chumbado’, pelo menos, doze vezes até ao Verão deste ano…), se digne aquilatar, há vários meses, se a acusação do Ministério Público ‘tem pés para andar’ e se o suspeito principal, juntamente com os amigos, algum dia se sentarão em tribunal.

A pandemia veio travar a euforia das ‘resmas’ de turistas que esgotavam a hotelaria. A urgência do Montijo ficou em ‘banho Maria’. Depois da Ota ou de Alcochete, a localização do futuro aeroporto há de ser onde deus quiser, antevendo-se novos estudos para empatar, ou reabilitando o ‘deserto’ aeroportuário de Beja, inventado por Sócrates às cavalitas do PCP, que custou uma fortuna e continua ‘às moscas’.

O PS ocupa o poder há mais de vinte anos. E quando ‘levanta voo’ são de temer as consequências e o estrondo na aterragem. A renacionalização da TAP é o exemplo mais acabado disso mesmo.

Ao sentar-se em S. Bento, com o amparo da ‘geringonça’, António Costa desfraldou como bandeiras, o ‘fim da austeridade’, as 35 horas na função pública, além do ‘IVA amigo’ na restauração, ou da reversão da TAP privatizada, algo que era grato ao PCP e ao BE

A dimensão do fracasso mal se adivinha, enquanto o primeiro- -ministro encontrou em Pedro Nuno Santos, ‘malgré lui’, um profícuo artífice dessa vertigem ideológica, tão capaz de dizer orgulhoso que «TAP é do povo português para o bem e para o mal», como comprar ‘ferro velho’ em Espanha para o reciclar e por nos carris, ao serviço da CP.

No caso da TAP, convirá recordar que a pandemia apenas veio destapar uma exploração cronicamente deficitária, poupando com a nacionalização os acionistas privados ao esforço financeiro que lhes competia.

A restruturação empreendida por Pedro Nuno Santos, sem a menor experiência para brincar aos aviões, ameaça saldar-se em despedimentos em massa, aviões e rotas a menos, e, mesmo assim, com uma dolorosa fatura a pagar pelo Estado.

Há quem se interrogue, legitimamente, se não seria melhor fechar a TAP e abrir outra companhia ao lado, com gestão profissional capaz, sem vícios antigos nem gente a mais. Mas, provavelmente, seria pedir demais.

Aflito, o ministro tentou ainda uma habilidade e partilhar responsabilidades com o Parlamento. A ideia peregrina saiu-lhe torta e serviu de bandeja para António Costa lhe ‘tirar o tapete’, deixando-o estatelar-se. E ainda o humilhou na praça pública.

Perante este insólito episódio, o que seria natural era o ministro demitir-se, dando o exemplo ao seu colega da Administração Interna, Eduardo Cabrita, que anda, também, a fazer figuras tristes, desde logo com o SEF e, depois, com o diretor nacional da PSP, que ilustram bem a erosão da sua autoridade enquanto responsável da tutela.

Vai longe o tempo em que Jorge Coelho se demitiu, retirando as consequências políticas da queda da ponte de Entre-os-Rios. Depois dele, ninguém mais quis imitar-lhe o gesto.

Ora a avultada soma de recursos que esbulhará o contribuinte para suportar a ‘companhia de bandeira’, cada vez mais parecida com uma ‘low cost’, ameaça concorrer com o investimento para acudir ao Novo Banco, herdeiro da hecatombe do BES, alienado já com a assinatura de António Costa, embora não pareça.

E, no entanto, foi ele próprio quem garantiu, em março de 2017, que tudo estava acautelado na venda ao fundo norte-americano Lone Star e que não haveria impacto, «direto ou indireto, para os contribuintes». Viu-se. E o que é espantoso é a falta de memória. Em dezembro desse ano, o DN divulgava em título que Salvar os bancos já custou 14,6 mil milhões aos contribuintes. Uma bagatela.

A sangria não ficou por aqui como está demonstrado. Mas as amnésias são recorrentes. E mesmo o banco público, a CGD, não escapou ao rombo, depois de entrar em pane nos alvores de 2011.

A bazuca de Bruxelas não vai chegar para tapar todos os buracos, nem remediar as várias mazelas, embora os habituais compadres estejam ansiosos, em fila de espera, de malga na mão…

Na época de Sócrates as culpas da derrocada iminente cabiam à crise do subprime e à falência da Lehman Brothers. Agora, a culpa há de ser da pandemia. Não fosse a crise sanitária e estaríamos no país das maravilhas…

O PS tem azar e os portugueses não menos.