O ano novo arranca em campanha eleitoral para as eleições presidenciais de 24 de janeiro. Não se espera que o atual Presidente da República perca a renovação do mandato (seria, aliás, surpreendente), mas estas eleições irão decorrer com os efeitos do estado de emergência, os números da pandemia de covid-19 , a hipótese ou não de uma terceira vaga e um dia eleitoral com uma votação nacional marcada pelo uso obrigatório de máscara.
Nestas eleições, Marcelo Rebelo de Sousa corre para um segundo mandato (nenhum dos seus antecessores perdeu na segunda eleição) e testa a sua capacidade de mobilizar eleitorado, designadamente da sua família política: o PSD.
A máquina do partido funcionou para a recolha de assinaturas, sobretudo ao nível da rede de autarcas (as distritais ficaram de fora), mas falta saber se a militância laranja sairá em peso de casa para ir votar. Sobre resultados, o Presidente recandidato procurou esvaziar expectativas de que possa almejar o resultado histórico de Mário Soares no seu segundo mandato: mais de 70%. «É irrepetível, ninguém teve o passado dele na ditadura, na revolução e depois da revolução. Não tem comparação possível, logo aí dá-me uma abada, para usar termos futebolísticos», avisou Marcelo há duas semanas, numa entrevista à SIC. Ou seja, não há ilusões de igualar o fundador do PS em 1991.
O chefe do Estado tem pela frente vários adversários (seis a sete, conforme a decisão final do Tribunal Constitucional) e, em tese, seriam todos contra Marcelo Rebelo de Sousa. Porém, há um nome a reter neste xadrez político: André Ventura.
O seu (bom) resultado pode significar que a direita está a realinhar-se e que PSD e CDS terão de contar com o Chega para o futuro, um cenário que nenhum dos dois partidos deseja. Prova disso é que o líder social-democrata, Rui Rio, reconheceu ontem à Antena 1 que «será mau» para o país que André Ventura tenha «uma votação grande e expressiva».
Assim, o resultado de Ventura não terá só leituras sobre o peso do chamado voto de protesto. Poderá ter efeitos futuros também, por exemplo, no PSD e no CDS. Se Ventura chegar aos dois dígitos ou os ultrapassar nas presidenciais (com a eleição de Marcelo arrumada na primeira volta), o seu peso eleitoral ganha fôlego para eleições como as legislativas. Mais: pode sinalizar que eleitores do PSD ou do CDS votaram no líder do Chega. Aí, será um problema para os dois partidos analisarem. Ou seja, numas eleições que se pretendem apartidárias, os sinais do eleitorado podem obrigar a afinações nas estratégias dos partidos à direita. E podem reforçar uma outra ideia: uma alternativa de poder ao PS terá de passar pelo Chega. Falta ainda saber que resultado alcançará o candidato apoiado pela Iniciativa Liberal, Tiago Mayan Gonçalves.
À esquerda, o resultado de André Ventura também terá efeitos caso seja bem-sucedido. Não é por acaso que tanto a ex-eurodeputado socialista Ana Gomes como a candidata Marisa Matias, apoiada pelo Bloco de Esquerda, enfatizaram a ideia de que não dariam posse a um Governo com o partido liderado por André Ventura. Sinal de que é grande a preocupação à esquerda sobre o espaço do líder do Chega, a antiga ministra da Cultura de José Sócrates (PS), Gabriela Canavilhas, deixou esta semana uma sugestão na rede social Twitter: «Votem em Ana Gomes ou Marisa Matias. Marcelo será eleito, voltará a ser um bom Presidente, mas é importante remeter [André] Ventura à insignificância».
No PS, a estratégia foi a de não apoiar nenhum candidato, nem mesmo com a ex-eurodeputada socialista Ana Gomes no terreno a fazer pré-campanha. Mais: Marcelo recolhe apoio e votos entre vários destacados socialistas. Contudo, no PS há apoios de peso do lado de Ana Gomes, sobretudo da ala mais à esquerda do partido, onde pontifica o nome de Pedro Nuno Santos. E, aqui, os socialistas indefetíveis do ministro estão a ajudar a ex-eurodeputada.
Ana Gomes também tem uma prova de fogo nestas eleições. A antiga dirigente socialista verá avaliado o seu prestígio junto do eleitorado (do PS e fora do partido) e, se ficar à frente do candidato e líder do Chega, poderá sempre reclamar que travou o avanço da linha mais radical de Ventura, o rosto da extrema-direita em Portugal. Não é por acaso que André Ventura contará com Marine Le Pen, da União Nacional francesa, no arranque do período oficial de campanha.
Mais à esquerda, o rescaldo eleitoral poderá permitir ainda algumas leituras. Primeiro, é preciso perceber o efeito de Ana Gomes na candidatura de Marisa Matias. Em 2016, Marisa Matias conseguiu um resultado histórico, com mais de 470 mil votos, Desta vez, as sondagens dão-lhe intenções de voto muito aquém dos valores alcançados há cinco anos. Já João Ferreira, candidato apoiado pelo PCP e pelo PEV, irá tentar superar o mau resultado de Edgar Silva em 2016, sendo encarado como um nome que pode vir a suceder a Jerónimo de Sousa na liderança do PCP. Estas eleições podem abrir-lhe caminho para essa tarefa dentro de quatro anos.