Sugus com sabor a passas

Como se o ano já não começasse igualmente arruinado, apesar do momento de festa fazer esquecer por instantes que nos dias seguintes voltaríamos a ter hora de recolher obrigatório. Não interessava nada.

Cinco minutos! Quatro! Três… Está quase! – Prepara o champanhe. As passas estão devidamente separadas numa tacinha desde a hora de jantar – não fosse depois haver erro de contagem de última hora e passassem, de repente, a ser 13, logo esse número, como se o ano já não começasse igualmente arruinado, apesar do momento de festa fazer esquecer por instantes que nos dias seguintes voltaríamos a ter hora de recolher obrigatório. Não interessava nada. O novo Ano estava prontinho a entrar e nós preparadíssimos para recebê-lo, de janelas e braços abertos, já que, afinal, nem fogo de artifício sobre as cabeças faltou. Dois! Dois minutos! Preparam-se as cadeiras e decido não me opor à tradição, tal era o entusiasmo do momento. A rolha também estava pronta para saltar, mas lembram-se que ainda vale a pena ir a correr buscar uma notinha para que o ano seja rico, que não ficará esquecido o desejo principal para poder gozá-lo da melhor maneira. Novamente, sem querer defraudar as expetativas, à falta de nota, peguei na única moeda, com a consciência de que grão a grão… Ainda pensei em levar o próprio cartão multibanco, em que Fernando Pessoa me relembra diariamente que tenho em mim todos os sonhos do mundo; mas talvez estivesse a levar a brincadeira demasiado a sério. E até pudesse parecer gananciosa. Hora da contagem decrescente dos últimos 10 segundos! Momento de subir para a cadeira. Alguém insiste para não nos esquecermos do pé direito, não fosse o ano acabar logo ali à entrada.

3,2,1… Pela primeira vez naquela noite as passas deixam de cumprir o distanciamento social e formam o género de um sugus – daqueles que oferecem no final das refeições nos restaurantes, e que já sabemos que não vai corresponder ao sabor desejado mas teimamos em comer. Apesar do nome, não conseguem passar garganta abaixo. Um pouco de pão talvez pudesse ajudar a empurrar, mas os copos encontram-se e alguém reforça o número de anos de pouca sorte que esperam àqueles que não dão pelo menos um gole depois de um brinde. Saúde!

Desci da cadeira com o pé direito. Com o mini ataque de pânico que envolveu as passas deixei passar o tempo dos desejos. Mas o brinde ao essencial estava feito e, vá lá, também estava uma moedinha no bolso…