Confrangedor e preocupante

Destes pseudodebates, fico com a convicção que qualquer cidadão nacional, consciente da responsabilidade do cargo, só pode ter ficado preocupado por não se terem perfilado candidatos verdadeiramente alternativos e que possuam atualmente potencial para o cargo.

1. Em vésperas de umas eleições presidenciais quase sem campanha em resultado da pandemia, sobraram debates para nos entretermos. Primeiro a dois entre todos os candidatos, por fim um (aparente) debate coletivo, com Marcelo confinado à distância. Se nos outros, entre alguns diálogos lamentáveis e de baixo nível, ainda houve despiques mais ou menos leais porque estiveram frente-a-frente, neste último assistimos a Marcelo ser impiedosamente atacado de todos os lados. Foram 38 os ataques dirigidos, dos quais 22 de Ana Gomes e André Ventura, empenhados num despique pessoal para o segundo lugar.

Francamente, o resultado é confrangedor e apenas uma muito escassa minoria terá ficado esclarecida. Destes pseudodebates, fico com a convicção que qualquer cidadão nacional, consciente da responsabilidade do cargo, só pode ter ficado preocupado por não se terem perfilado candidatos verdadeiramente alternativos e que possuam atualmente potencial para o cargo.

Instintivamente, recordamos Sampaio da Nóvoa na campanha de 2015, pessoa de prestígio e cultura, o que nos leva a perguntar: por que razão as pessoas com perfil e categoria para o cargo não se perfilam para se constituírem como alternativa válida a Marcelo? O resultado foi este: só apareceram candidatos alternativos com agenda e nenhuma destas era presidencial! Uns a fazerem percurso de candidatos a líder de partido, a maioria para marcarem posições políticas dos seus partidos.

Ideias para se ser Presidente? Não as vi. Limitaram-se a criticar Marcelo pelo que fez ou não fez, pelas ideias que tem ou não tem, sustentados na ideologia que os move. Ou seja, apareceram para ‘coroar’ Marcelo, nunca para o combater, porque quando o confrontaram, demonstraram, regra geral, porque deveriam ter ficado em casa.

2. Durante semanas e meses, ouvimos Costa dizer insistentemente que não poderíamos voltar a confinar porque a economia real não aguentava. Aqui estamos novamente confinados, a economia real a sofrer tratos de polé, o Governo obrigado (e bem) a aumentar a dívida pública para fazer face aos desafortunados da economia. Afinal, o que mudou?

A resposta é simples: o terror do colapso geral do SNS que já tinha colapsado na resposta aos doentes não-covid e agora a estoirar na resposta aos internamentos da covid. Mas quando os especialistas referiram que haveria que moderar o Natal, mais uma vez o Governo eleitoralista, sempre a pensar na caça aos votos, teve receio de ser impopular.

A fatura aí está. Um confinamento generalizado com todas as perspetivas de se confirmarem as previsões de economistas que apontavam para uma quebra significativa da atividade económica. Segundo o Banco de Portugal, no seu cenário ‘severo’ de dezembro 2020, o crescimento do PIB em 2021 será apenas de 1,3%, em vez dos iniciais 3,9% e em 2022 e 2023 teremos o PIB a crescer 3,1% e 2,4%, respetivamente. Ou seja, no final de 2023, estaremos 2% abaixo de 2019. Um desastre!

Sobre o mercado do trabalho, as notícias acompanham os cenários dramáticos, com o desemprego a chegar, pelo menos, aos 10% este ano. O turismo, que tem constituído enorme fonte de emprego com a restauração e hotelaria, irá provavelmente continuar anémico, mesmo sem confinamento quanto mais com os cenários prolongados de paragem económica que se avizinham.

O passado passou e não adianta ‘chorar sobre leite derramado’ até porque se o Governo esteve péssimo no Natal as sondagens não o demonstram. O povo está resignado, convencido da inexistência de alternativa válida a Costa porque a oposição, mesmo quando discorda, não se faz ouvir, parecendo que sussurra nas suas discordâncias, tal a timidez das suas aparições.

O primado da competência dos ministros é ultrapassado pela visão política das suas decisões. “Cruzes, canhoto” para tomar decisões impopulares quando se justificam e a permissividade do Natal foi a última que nos recordamos. O povo é sereno, aceita com bonomia todos os disparates da DGS, com tantas e tantas estórias que ficam nos cânones deste período como o ‘usa/não usa máscara’ ou as recomendações gerais de proteção social, logo esquecidas nas sucessivas cedências a ‘lobbies’.

A última ‘medalha’ é a constatação de que em 87% dos contágios se desconhece a origem e não se pode fazer isolamento preventivo. Segundo os especialistas, o recrutamento de pessoas para fazer o rastreio foi claramente insuficiente. Se assim é, como se podem tomar medidas direcionadas para o combate à disseminação da pandemia? Ficamos ao calhas e sem surpresa surge a decisão mais fácil, ou seja, o confinamento geral. Em suma, a incompetência grassa sem quaisquer consequências dada a impunidade total.

Manuel Boto
Economista