Habemus Presidente! O que pode e deve mudar!

A crise com que o primeiro- -ministro há alguns meses nos ameaçou, com acompanhamento de fundo do Presidente da República em exercício, e que teria sido ultrapassada com a aprovação do primeiro Orçamento de Estado para 2021, está, afinal, aí à frente da nossa vista e do nosso conhecimento.

É certo que a política orçamental para este ano foi aprovada com a não desinteressada ajuda do Partido Comunista Português (um dia saber-se-á com que custos financeiros, sociais e políticos, foi fechado este acordo) mas, como acaba de ser demonstrado pelas eleições presidenciais, o país está muito longe de ter alcançado o rumo e a estabilidade políticos de que tanto precisava nesta fase difícil.

As eleições presidenciais revelaram três aspetos francamente positivos:

(i) O bom senso do eleitorado que, ao participar de forma significativa no ato, reforçou a democracia;

(ii) A escolha inequívoca de Marcelo Rebelo de Sousa, representante da direita social, que significa a opção pela estabilidade;

(iii) A rejeição dos aventureirismos de extrema-direita e de extrema esquerda que se apresentaram a sufrágio.

Apesar dos graves erros do Governo (em especial do MAI), tudo correu bem, e não foi por milagre, pois os ‘milagres’ do atual executivo rapidamente se transformam em charlatanices, mas sim porque os cidadãos assim o quiseram e assim o decidiram.

A reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa à primeira volta, era previsível, seguramente necessária mas, sobretudo inevitável, a partir do momento que os setores moderados do centro esquerda e do centro direita, se fizeram notar pela falta de comparência.

Argumenta-se que não seria fácil derrotar o candidato incumbente e que por isso se tornava dispensável o harakiriri do centro, como se as presidenciais não fossem também espaços privilegiados para comparar e confrontar alternativas democráticas.

É verdade que «só merece ganhar, quem não tem medo de perder» como lembrava, com outras palavras, Salgado Zenha, um dos expoentes máximos da geração de políticos competentes e sérios que colocavam o interesse nacional acima do mero interesse pessoal.

Mas, sendo as coisas o que são, o importante é que se ganhou estabilidade na presidência da República e evitou-se o prolongamento do processo eleitoral, dispensando uma dolorosa segunda volta, mesmo que se tenha perdido uma excelente oportunidade para discutir as causas e as vias que levaram o país para uma grave crise moral.

Num dos primeiros anos da revolução democrática, Otelo Saraiva de Carvalho, numa visita à Suécia terá ‘informado’ o socialista Olaf Palme que a prioridade do poder político instalado em Portugal, era acabar com os ricos. Olaf Palme terá respondido que, na Suécia, a prioridade do Governo era acabar com os pobres.

Este episódio burlesco, acaba de ser reposto na versão ‘ópera bufa’ pela decisão do Governo português em proibir o ensino à distância a todos os estabelecimentos (público ou privados) que estejam preparados para o fazer, com o argumento estalinista que assim se evitaria o acentuar do fosso de aprendizagem entre os alunos.

Ora as escolas que ainda não estão preparadas para o ensino à distância, são apenas vítimas da incúria e da incompetência do Governo, que apesar das promessas feitas, não as dotou com os meios necessários para a educação digital.

Esconde-se, desta forma, a cegueira ideológica e o desleixo, com a hipócrita preocupação com a desigualdade, ainda que tal seja feito à custa de um nivelamento por baixo, estilo norte coreano, que relembra a ‘boutade’ sueca do nosso simpático herói de Abril.

Mas este é apenas o último caso e, só até ao próximo, o mais impactante.

Muitos outros foram ficando para trás, embora não esquecidos, como a absurda querela, em plena crise pandémica e aflição geral, entre o setor público e privado da saúde, tratado até à exaustão por alguns candidatos presidenciais que reclamavam o absurdo da requisição autoritária de meios privados, ainda antes de qualquer negociação.

Dois casos que são evidências da crise moral que o país atravessa e que, surpreendentemente não foi avaliada durante a campanha, porque os candidatos esquerdistas optaram pela enunciação de agendas próprias (seja lá isso o que for), e todos pela afirmação de um medo irracional e paralisador com a emergência de um partido de extrema direita, que acabou por ser o centro e o destino de quase toda a discussão.

Há cerca de uma semana, Francisco Assis, o atual presidente do Conselho Económico e Social, falou, provavelmente num local menos indicado, mas com grande propriedade, na necessidade de um «sobressalto cívico». Os eleitores deram um primeiro passo, ao recusarem pela via que puderam, o negócio político da geringonça que, como é hoje claro, tem tudo para acabar mal.

O PR reeleito, através da sua primeira intervenção, também já compreendeu a necessidade de denunciar, agir e corrigir comportamentos e ações inaceitáveis em democracia liberal, e a prioridade, que se atribuiu, de combater e resolver a crise pandémica evitando o alarme social é já um excelente sinal de que também ele defende o tal “sobressalto cívico” que se tornou ainda mais indispensável, quando estamos perto de igualar os 48 anos de duração do regime autárquico anterior.

Apesar de o Presidente ser o mesmo, embora as circunstâncias mudem, como ele próprio reconheceu, muito tem de ser diferente neste segundo mandato. E seguramente, sê-lo-á.