A direita ‘queque’

As perguntas eram: o que é o CDS? O que distingue o CDS? Quem compõe e quem apoia o CDS? O que representa o CDS? Quem vota no CDS? Espontaneamente, veio-me à cabeça a seguinte frase: «O CDS é a direita queque». Era preciso, no entanto, testar a justeza desta asserção.

Nunca tinha visto a questão assim, mas de repente a ideia impôs-se-me com cristalina evidência.

As perguntas eram: o que é o CDS? O que distingue o CDS? Quem compõe e quem apoia o CDS? O que representa o CDS? Quem vota no CDS?

Espontaneamente, veio-me à cabeça a seguinte frase: «O CDS é a direita queque».

Era preciso, no entanto, testar a justeza desta asserção.

Donde vinham os fundadores do CDS, Diogo Freitas do Amaral e Adelino Amaro da Costa, donde vinham?

O pai de Diogo Freitas do Amaral, Duarte Freitas do Amaral, era de uma família fidalga de Guimarães, foi deputado da União Nacional, e depois da vinda para Lisboa estabeleceu-se com a família na seleta zona de Sintra-Cascais.

Adelino Amaro da Costa era oriundo de uma família abastada, da nobreza rural de Odemira, integrando depois a elite intelectual lisboeta.

As primeiras observações confirmavam, pois, a impressão inicial.

Mas continuemos este exercício com outros atores que marcaram a história do partido.

Francisco Lucas Pires pertencia à elite da direita intelectual coimbrã, com grandes tradições no país.

Basílio Horta, de seu nome completo Basílio Adolfo de Mendonça Horta da Franca, foi um filho-família, nascido em Tábua mas educado em Lisboa no Colégio Militar.

Maria José Nogueira Pinto – Avillez de solteira – era filha de Luís Maria de Avillez de Almeida de Melo e Castro, bisneto do 8.º conde das Galveias e trineto do 1.º visconde do Reguengo e 1.º conde de Avillez. E foi criada no Campo Grande, num conhecido palacete da família.

José Ribeiro e Castro é filho de Fernando Santos e Castro, que foi presidente da Câmara de Lisboa e amigo de Marcello Caetano, e é casado com a trineta do 1.º visconde da Nespereira.

Luís Nobre Guedes é filho de Francisco José Nobre Guedes, que foi o 1.º comissário da Mocidade Portuguesa e era conhecido pelas suas simpatias germanófilas.

Luís Queiró pertence a uma família também da elite universitária de Coimbra.

Pondo agora os olhos na geração mais jovem, que procurou em dada altura renovar o partido, Paulo Portas é filho de um conhecido arquiteto, Nuno Portas, intelectual católico progressista, e de Helena Sacadura Cabral, sobrinha do famoso aviador com o mesmo apelido.

Manuel Monteiro é de boas famílias de Vieira do Minho.

Nuno Melo é descendente dos Teixeira Coelho de Melo, senhores do morgado da Falperra, membros da nobreza de Entre Douro e Minho.

Telmo Correia, de seu nome completo Telmo Guilherme Hermínio Cardoso de Noronha Correia, tem ascendência britânica e macaense, de famílias distintas.

Cecília Meireles é a primogénita das três filhas de José Maria Ferreira de Meireles Graça, que era oriundo de uma família afidalgada de Guimarães.

Finalmente, Francisco Rodrigues dos Santos é filho de um oficial do Exército e foi educado no Colégio Militar, e Adolfo Mesquita Nunes, que lhe disputa o cargo, é proveniente de uma família da Covilhã com ligações aos negócios, à política e ao futebol. No meio de tudo isto, são os dois mais ‘plebeus’ da linhagem centrista.

Não falei de Adriano Moreira, porque pertence a outra geração e a outro tempo: vem do Estado Novo, foi ministro de Salazar, e – como muitos políticos dessa época – é de extração bastante modesta. E no CDS foi sempre um intruso.

Por aqui fica claro que o CDS é mesmo a ‘direita queque’.

E esse ‘pecado original’, que se lhe colou à pele, fez com que nunca conseguisse ser um partido popular (apesar de ter assumido a dada altura essa designação, que aliás não pegou).

Nunca conseguiu romper as fronteiras em que os fundadores o colocaram.

Nunca deixou de ser um partido elitista, no sentido social e intelectual.

O povo nunca sentiu ter lugar no CDS.

Assim, o partido foi vivendo do brilho dos seus líderes enquanto estes aguentaram, sobretudo Freitas do Amaral e Paulo Portas.

Não tendo povo, foi vivendo de figuras, de barões, falando cada um para o seu lado.

E também por isso há muitos anos que não tem um rumo.

Foi democrata-cristão com Freitas do Amaral e Amaro da Costa; foi liberal com Lucas Pires; foi assistencialista com Adriano Moreira; foi conservador com Manuel Monteiro e Paulo Portas; e atualmente não se sabe bem o que é.

Freitas do Amaral disse-me um dia, antes de umas eleições legislativas, que depois o CDS tanto podia aliar-se ao PSD como ao PS para formar Governo, consoante os resultados eleitorais.

Ora, como poderia um partido assim ter um eleitorado convicto e estável?

O drama do CDS foi que, mercê do seu lado diletante, nunca teve coragem para se dizer claramente de direita, e com isso perdeu-se.

Nunca ninguém conseguiu perceber por que razão o partido mais à direita do leque político tinha vergonha em afirmar-se de direita e se dizia «centrista».

Perante isto, que partido havia para as pessoas de direita votarem? Ou, ao contrário dos outros países, em Portugal não havia eleitores de direita?

Várias vezes aqui alertei para esse paradoxo.

Nunca tendo sido capaz de quebrar os limites que o seu lado ‘queque’, diletante, elitista, intelectualmente sobranceiro lhe impôs, o CDS foi pouco a pouco definhando e ficou sem espaço quando surgiu um partido que disse: «Nós somos de direita com muito orgulho e vimos para combater a esquerda coletivista».

A partir daqui, para que serve o voto no CDS?

Quem quer uma alternativa ao PS, vota no PSD; quem é de direita, vota no Chega.

E como o CDS nunca soube falar ao povo, os votos dos eleitores errantes também nunca lá vão parar.