Facebook e a imprensa em colisão na Austrália

O Governo quer que Google e Facebook paguem pelos conteúdos que partilham. E o resto do mundo está à espreita, a ponderar sobre como enfrentar estes gigantes tecnológicos cada vez mais poderosos.  

O futuro da internet e da imprensa disputa-se na Austrália, onde está a ser desenhada uma lei que exige que a Google e o Facebook negoceiem o preço do conteúdo noticioso que divulgam. O Google acatou, o Facebook não. A plataforma retaliou bloqueando a partilha das páginas da imprensa, apanhando no meio autoridades de saúde, dirigentes políticos, sindicatos e organizações não-governamentais, que ficaram offline durante horas, na quinta-feira. Talvez tenha sido uma demonstração excessiva de força, do quão essenciais são motores de busca e redes sociais – as críticas ao monopólio destes gigantes tecnológicos tornaram-se ainda mais sonoras.

As ações do Facebook foram “tão arrogantes quando dececionantes”, lamentou o primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, em conferência de imprensa, acusando a empresa de “bloquear serviços de informação essenciais de serviços de saúde e emergências”.

“Um crescente número de países está a expressar preocupações quanto ao comportamento dos gigantes tecnológicos, que pensam que são maiores que os governos e que as regras não se aplicam a eles”, notou Morrison. “Eles podem estar a mudar o mundo, mas isso não significa que o governem”. 

Noutros pontos do globo, observa-se a disputa com interesse. Há muito que se nota uma quebra geral de receitas dos media, que dependem cada vez mais do online, com a dificuldade de que neste meio, ao contrário do papel, a publicidade passa por gigantes como o Facebook e a Google, que tiram uma fatia de leão. Segundo a AFP , na Austrália estima-se que o Google fique com 53% de todo o investimento em anúncios online e o Facebook com 28%, tirando receitas aos media que produzem muitos dos conteúdos com publicidade.

No caso da Austrália, quem liderou a carga contra os gigantes tecnológicos foi o News Corp, o conglomerado da poderosa dinastia Murdoch, de origem australiana, dona de títulos como a Fox News e o Wall Street Journal, nos EUA, ou o Sun e o Times, no Reino Unido.

Aliás, quando a Google acedeu às exigências da Austrália, para que se entendesse com empresas de media locais, sob pena de pagar como multa até 10% da sua receita no país, a News Corp foi logo a primeira com quem acordou “pagamentos significativos”, para que conteúdos da News Corp aparecessem numa nova ferramenta do Google, a News Showcase. Em seguida, aceitou pagar anualmente o equivalente a quase 20 milhões de euros à Nine Entertainment, dona do Channel 9 e do Sydney Morning Herald.

Contudo, por mais que a Google prometa pagar a estes gigantes da imprensa, há grandes dúvidas que a nova lei australiana – que agora, face à retaliação do Facebook, deverá quase de certeza ser aprovada – contribua para financiar publicações pequenas.

“Não creio que vejamos qualquer impacto na capacidade de organizações de media mais pequenas para se manterem no negócio e manter empregados jornalistas para cobrir notícias locais”, considerou Aron Pilhofer, antigo diretor do online do Guardian, ao Financial Times. 

Já a recusa do Facebook pode ter implicações mais abrangentes. Há muito que a rede social é criticada, em particular nos EUA. Republicanos acusam os gigantes tecnológicos de censurar apoiantes do ex-presidente Donald Trump, bloqueando-os por partilharem informação falsa ou incentivos à violência – os democratas consideram que a ação surgiu tarde demais, que se deixou medrar grupos antivacinas, discurso de ódio ou teorias da conspiração, com consequências letais no mundo real.

O caso da Austrália “é uma lembrança do papel enorme que o Facebook tem nas nossas vidas e no nosso discurso”, notou Donie O’Sullivan, repórter de tecnologia da CNN. “É a maneira como nos mantemos em contacto com amigos, onde recebemos notícias, ou onde sementes de insurreição podem ser plantadas”, referiu o repórter, numa referência ao ataque ao Capitólio.

“Dado o seu tamanho, influência, importância, vamos ver esta empresa no centro de cada vez mais debates existenciais sobre como comunicamos no séc. XXI, como nos informamos ou nos desinformamos”, salientou. Não é por acaso que os gigantes tecnológicos são alvo do Congresso norte-americano – que pondera parti-los aos pedaços, acusando-os de formar um monopólio no setor.