André Jordan: “O Museu dos Descobrimentos faz muita falta”

Por ter angariado muito dinheiro para causas humanitárias defendidas pela coroa britânica, André Jordan foi agora distinguido com a Ordem do Império Britânico. ‘Em Portugal seria um escândalo’.

André Jordan: “O Museu dos Descobrimentos faz muita falta”

Nasceu na Polónia, em 1933, em Lviv, hoje Ucrânia. Para fugir aos nazis, a família chegou ao Brasil em 1940. André Jordan acabaria por chegar a Portugal antes de 1974, tendo feito uma das obras mais emblemáticas do turismo europeu: a Quinta do Lago. Seguiram-se outras e, atualmente, é no empreendimento de Belas que aposta o luso-brasileiro.

Foi uma grande surpresa para si receber esta distinção da Ordem do Império Britânico?

Foi muito simpático da parte dos ingleses. Eu ando no Duke of Edinburgh’s International Award há 30 anos e fiz muitas coisas. As casas reais são muito isoladas das pessoas. Há aqueles assessores que são antigos militares ou antigos diplomatas que têm a honra de servir a casa real. Eles fecham o circuito à volta do chefe e as pessoas não têm muito acesso, só quando há eventos. A própria Rainha e a família toda são patrocinadores de centenas de organizações.

De que tipo?

Hospitais, caridades, universidades, coisas de interesse público. Basicamente, todas as organizações de Inglaterra têm um patrono real. Fui a dezenas de eventos do Award com o duque de Edimburgo e com o príncipe Eduardo e a mulher.

Porque acha que foi distinguido com esta ordem?

Fui distinguido por ter apoiado muito as iniciativas e ter conseguido apoios e dinheiro. Fui presidente sete anos do Prémio Infante D. Henrique em Portugal, cujo presidente de honra é Dom Duarte, duque de Bragança; criei com um amigo inglês, que já morreu, uma organização que faz eventos de golfe em vários países para angariar fundos. A final é realizada em Londres, com um banquete de entrega de prémios no Castelo de Windsor, é um programa de muito sucesso. Angariámos mais de cinco milhões de libras, através de patrocínios e inscrições de participantes.

Foram aplicados onde?

Nos programas do Award, no mundo inteiro. Aliás, o Award funciona assim: só a gestão é que é remunerada.

Que tipo de programas?

Há quatro programas: serviço público, aventura, ciências e atividades desportivas. E tem categorias. Há muitas atividades dentro de cada categoria. E isso tudo precisa de gestão, de administração e, nos 140 países, o prémio outorga medalha de ouro, prata e bronze. Eles fazem nas férias. Tem muito sucesso, os jovens gostam. Depois criaram a segunda vertente, de cujo conselho fundador eu faço parte, que é de ajuda a crianças carentes nos lugares mais pobres, como em África, por exemplo – escolas, ambulatórios. Trata-se de uma coisa grande e tem uma organização central que custa dinheiro. O príncipe Filipe, no discurso que fazia no banquete anual, dizia sempre que uma organização de caridade quanto mais sucesso faz, de mais dinheiro precisa. O duque supervisionava toda a atividade, faz 100 anos em junho. Agora, quem cuida do Award é o príncipe Eduardo. Há gente muito importante, milionários, grandes empresários. Eu nunca entrei com muito dinheiro porque não sou um grande milionário, mas fiz muito.

A família real apoia muitas instituições?

É uma questão de relevância para eles. Eles consolidam o seu prestígio e têm uma audiência muito grande, personalizada. Cada organização daquelas é apoiante da casa real. A Rainha fazia – imagino que já não faz – o que é o Garden Party. Cada Garden Party realizado no Palácio de Buckingham tem seis mil convidados, que vão de fraque, e as mulheres com chapéu. Desde duquesas até professores, cabeleireiras, enfermeiras… Acontece quatro vezes por ano. São 24 mil pessoas. A Rainha fez isso durante 50 anos, o que é uma maneira de ter contacto com a população e ter o seu apoio.

 

Disse ao i que é preferível ter o prémio do que ter covid. Como tem vivido este confinamento?

Tenho vivido em casa. Praticamente não saio de casa e vêm só pessoas da família, uma a uma, jantar ou almoçar comigo. E a minha assistente, de vez em quando.

Como é viver desta forma?

Lendo, escrevendo, analisando sempre os mercados, que é uma coisa que faço há muitos anos – as tendências, o mercado, os produtos que estão subindo ou descendo… Não estudo só o imobiliário, estudo outros mercados, como as ações, os automóveis, a moda, as joias, os iates e os jatos particulares. Ouço música clássica pelo menos duas horas, no programa Mezzo.

Como acha que está a situação em Portugal?

Do ponto de vista do mercado residencial, de pessoas que querem vir viver para cá, estamos muito bem cotados. As pessoas estão paradas e praticamente nem há voos mas, mesmo assim, há muito interesse. Conseguimos que as pessoas vejam Portugal como um país, até por exclusão dos outros, ideal para viver. Tem segurança, é saudável, tem bom clima, as pessoas são agradáveis, a comida é boa… Mas eu não estou a falar da comida Michelin. Essa é para turistas ricos. Aqui come-se peixe fresco, marisco, as coisas saudáveis que há em Portugal e de que eles gostam muito. A pessoa de um certo nível não anda nos restaurantes da moda todos os dias.

Agora, com a covid, ficámos um pouco malvistos…

Acho que no momento em que ficar controlado – que, felizmente, parece estar ficando –, isso é ultrapassado.

E em relação ao resto da economia?

Penso assim: no plano do prof. Costa Silva, que mais parece um trabalho de tese universitária, o turismo nem é considerado, quando entre a construção e o turismo são 25% ou mais do PIB português, sem falar de 20% ou mais da exportação. Penso que o turismo tem que subir de nível e só pode subir de nível criando atrações, eventos de qualidade e museus de qualidade. Sou extremamente a favor do Museu dos Descobrimentos. Por exemplo, eu ganhei esse prémio, Ordem do Império Britânico. Os ingleses não têm problema em continuar a chamar de Império Britânico. Se fosse aqui, era um escândalo. O Museu dos Descobrimentos é uma peça que faz muita falta e fará muita diferença no turismo em Portugal, inclusive se for feito inteligentemente, exaltando os países que Portugal descobriu, visitou ou por onde passou. Vai atrair muita gente desses próprios países. Por exemplo, em Varsóvia há um museu da história dos judeus na Polónia, que tem uma parte que fala do Holocausto. Mas a maior parte é bonita, é positiva. Milhares e milhares de judeus de famílias de origem polaca, americanos e de outros países, vão a Varsóvia para ver esse museu. A mesma coisa será com o Museu dos Descobrimentos. Os Descobrimentos são estudados nas escolas, muito na Europa, mas também no mundo inteiro. As pessoas sabem quem é Fernão de Magalhães, Álvares Cabral… e querem ver a história de Portugal. Mas não conseguem porque há um complexo em relação à escravatura. Os ingleses e até os brasileiros tiveram escravatura e não deixam de ter museus. É ridículo isso. Era preciso reforçar a parte cultural e de eventos – eventos na cultura, festivais de música – e subir a fasquia do turismo de qualidade, porque esse é o que compensa. Esse turismo barato não compensa. Ficou agora provado que não dá lucro, é uma estatística, mas não é um resultado. Recuperou a Baixa de Lisboa, serviu para isso. Mas não trouxe benefício financeiro para as empresas e, hoje, aquelas pessoas todas que investiram no alojamento local estão um bocado arrependidas porque descobriram que não ganharam dinheiro. Temos hoje uma estrutura de hotelaria muito correta, muito boa, para um tipo de pessoas que não quer luxo asiático, que não quer torneiras de ouro. Não é o Dubai. Portugal é Portugal e agrada a certo tipo de clientes mais sofisticados, mais cultos. Esse é o mercado que nós temos e que paga o preço.

Um dos problemas, então, é não se apostar no turismo de qualidade, uma vez que o plano de Costa Silva quase não fala de turismo.

Não é quase, não fala, não menciona. Há uma espécie de preconceito dos economistas em relação ao turismo porque eles querem que Portugal seja uma Alemanha. E nunca será. Há países industrializados e muito ricos, como Inglaterra, França ou Espanha, que têm muita ênfase em investimento no turismo. Em Portugal, não, o Governo não investe praticamente nada e não financia nada de turismo, e muito pouco da cultura. Nunca tive um tostão do Estado para coisa nenhuma. Mas também nunca pedi. A grande parte dos nossos clientes não recorrem a financiamento.

Como vê a polémica de que Portugal é um país racista?

Não posso considerar que Portugal seja um país racista. Recebeu um milhão de pessoas vindas das antigas colónias, de origem portuguesa e africana, e tudo isso se passou sem traumas ou perseguições. Reconheço que é preciso criar condições de vida, com trabalho e apoios para o segmento da população que é desfavorecido e carente.

Há mesmo quem defenda que se deve destruir o Padrão dos Descobrimentos. O que pensa disso?

Não merece comentários.

Acha que Portugal pode ser o local de eleição para os estrangeiros acabarem a vida, tornando-se uma Florida?

Não tenho dúvida que Portugal tem condições para acabarem a vida como para continuarem a vida. Atualmente temos um apoio médico e hospitalar de primeira qualidade, uma agricultura também excelente, parecida e mais diversificada do que a Florida, universidades que são melhores do que as da Florida e um clima mais ameno no verão do que a Florida. Também temos campos de golfe ao nível dos melhores campos da Florida e, finalmente, um custo de vida que é metade do da Florida.