O juiz Rui Fonseca e Castro, que esteve de licença sem vencimento durante dez anos, tem sido acusado de incentivar os cidadãos a fazer queixa das forças de segurança através da publicação de um caderno de minutas, por meio da página Juristas Pela Verdade, que visa conferir a todos quantos vivem as «graves restrições ao exercício de direitos, liberdades e garantias (…) a possibilidade de fazerem valer» os mesmos «com ou sem recurso a serviços advocatícios».
Se, por um lado, há quem agradeça as ferramentas que Rui Fonseca e Castro veiculou, por outro, muitos criticam as atitudes do então advogado e, agora, magistrado de direito do Juízo de Competência Genérica de Odemira, da comarca de Beja.
No manifesto do movimento Juristas Pela Verdade, disponível para leitura online, é possível ler que este se trata de «um grupo de juristas profundamente preocupado com os atropelos ao Estado de Direito democrático que vem constatando em Portugal desde o dia 30/04/2020, data em que foi declarado o primeiro estado de calamidade, através de uma resolução do Conselho de Ministros gravemente restritiva de direitos, liberdades e garantias, ao ponto de estabelecer o que não passa de uma prisão domiciliária de cidadãos».
Três parágrafos depois, surge «não se trata já de exceções, mas sim de um novo paradigma de normalidade que, inegavelmente, nos vem sendo imposto», sendo que «tal imposição, porém, tem desrespeitado clamorosamente a Constituição da República Portuguesa».
Segundo um despacho publicado no Diário da República, o regresso de Rui Fonseca e Castro da licença sem vencimento de longa duração, que teve início em 2011, foi autorizado pelo vice-presidente do Conselho Superior de Magistratura no passado dia 2 de fevereiro, sendo que o magistrado começou a exercer funções em Odemira a 1 de março e assim o fará «até à produção de efeitos do próximo movimento judicial».
De facto, no dia 6 de março, na página oficial do movimento, no Facebook, o magistrado esclareceu:«Como sabem, encontro-me numa fase de transição dos ‘Juristas Pela Verdade’ para a ‘Habeas Corpus’. Embora ainda tenha que concluir algumas tarefas relacionadas com a passagem de testemunho, encontro-me agora impedido de participar de tudo o que tenha natureza de prestação de serviços jurídicos», adiantando que «isto não significa um abandono, mas outrossim uma continuidade».
Assim, Fonseca e Castro elucidou igualmente que, apesar de não poder «comentar sobre casos concretos», continuará a «poder fazer a análise de situações jurídicas e a denunciar a prática de crimes de natureza pública de que tome conhecimento» e, nesta mesma linha de pensamento, O Caderno de Minutas «continuará também a ser desenvolvido».
A posição da PSP
Todavia, as forças de segurança têm vindo a sentir-se estigmatizadas – acreditam que são encaradas de forma negativa no contexto da sua atuação em cenário pandémico –, principalmente, no âmbito da minuta número 14, Orientações sobre como proceder no caso de fiscalização policial por não cumprimento do dever de recolhimento domiciliário.
Tal acontece porque, nesta, ainda que seja explícito que o autor não deseja que os cidadãos «caiam em qualquer situação de hostilidade aberta com as forças policiais», encontram-se frases como «concluindo pela responsabilidade criminal dos agentes de forças policiais que procedam à identificação ou detenção de cidadãos por uma putativa violação» do confinamento obrigatório, «afigura-se-nos altamente duvidosa a legitimidade de qualquer ordem emanada de autoridade policial para efeitos do cumprimento das normas constantes do Decreto da Presidência do Conselho de Ministros» ou «devendo as forças policiais atuar com a máxima cautela para não incorrer na prática do crime de abuso de poder».
«Não cabe propriamente às forças de segurança responder por isto. Pura e simplesmente fazem a fiscalização das normas impostas pelo Governo», começa por destacar Pedro Carmo, presidente da Organização Sindical dos Polícias (OSP/PSP).
«Há sempre alguém que acha que as leis, sejam a nível temporário ou permanente, são injustas», adianta o profissional, salientando que Fonseca e Castro «é um cidadão como outro qualquer com as influências que possa ter».
«Alguém de direito deve pô-lo no lugar enquanto é juiz, esse papel não é o nosso», sublinha, evidenciando que «cada um é responsável pelas suas atitudes e, independentemente de continuar a relevar o seu descontentamento, na sua função, o juiz tem de ser profissional e esperemos que as suas opiniões não se reflitam nas suas deliberações».
A perspetiva da GNR
«Ele põe em causa não só os guardas como a própria instituição e achamos que o Comando deve agir em conformidade», pede César Nogueira, Presidente da Associação de Profissionais da Guarda (APG/GNR), dirigente que prevê que «os guardas de Odemira poderão ter grandes dificuldades».
«Ele é juiz há poucos dias, por aquilo que se sabe, mas a atitude dele era esta já mesmo como advogado. Nos vídeos que fazia, incentivava um bocado ao desrespeito aos agentes da autoridade», continua, adicionando que «rapidamente entenderemos a postura que adotará».
Na ótica do cabo ao serviço do posto de Lever, em Vila Nova de Gaia, «cabe à Guarda e ao próprio Governo analisar a situação porque o juiz põe em causa tudo o que tem sido decretado», sendo que «se vai representar o Estado, isto é controverso porque, por um lado, o decreto diz uma coisa e o juiz pensa outra».
Deste modo, Nogueira defende que Fonseca e Castro, «para além de pôr em causa o trabalho de quem anda no terreno, põe em causa a própria instituição porque estigmatiza a Guarda» cujo Comando Geral «é muito rápido a agir com os fracos, mas deve fazer o mesmo com os fortes».
Cláudio Silva Almeida, dirigente da mesma associação, deixa claro que espera que o juiz «saiba distinguir as suas funções dos seus pensamentos, sendo isento e imparcial», clarificando que «tem de haver maior rigor por parte do legislador para que se produzam normativos cuja interpretação não seja dúbia, que seja clara e acessível», pois «o problema é a interpretação ambígua das leis».
«O que se pede a todos os cidadãos é que não estigmatizem as forças de segurança porque são não mais do que instituições que garantem a soberania do Estado e não devem ser afrontadas pela nobre missão que desempenham», conclui o primeiro sargento.
O Nascer do SOL entrou em contacto com o movimento Juristas Pela Verdade sem, no entanto, ter obtido qualquer resposta, até à data do fecho desta edição.