Israel. Homens sem casa

Chamou-se Palestina, começou por ser membro da Confederação da Ásia, mas foi banida. Depois passou pela Oceânia. Desde 1994 é membro da UEFA.

Arrumada no Grupo F da fase de qualificação para o Mundial de 2022, que teve esta semana, o seu início, a seleção de Israel vai à procura de superar Dinamarca, Áustria, Escócia, Ilhas Faroé e Moldávia na sua ambição de repetir o feito de 1970, até agora único na sua história. Com uma diferença significativa: nas eliminatória para o Mundial do México onde Pelé, Tostão, Rivelino. Gerson e Jairzinho, e mais e mais, trataram de mostrar ao universo o melhor futebol alguma visto num planeta chamado Terra, os israelitas jogavam contra os adversários da sua Confederação, na altura Ásia e Oceânia, superando nessa labuta a Nova Zelândia e a Austrália. Convenhamos: difícil seria ter de ir jogar mais longe, mas o futebol é mesmo assim, hoje ou no dia 14 de dezembro de 1969, no Sidney Sports Ground, quando Spiegler, aos 78 minutos, marcou o golo que garantiu nova viagem, dessa vez até à América Central. Já na fase final, os resultados foram melhores do que esperados: derrota natural frente a um fortíssimo Uruguai (0-2), e empates frente à Suécia (1-1) e à Itália. Em seguida veio a guerra e a política.

Em 1974, após uma proposta levada pela Federação do Koweit ao Congresso da Confederação Asiática de Futebol (já sem a Oceânia incorporada) conduziu à expulsão de Israel de todas as competições organizadas por aquela confederação. Com uma forte influência dos países muçulmanos, a proposta foi aprovada por 17 votos contra 13 e 6 abstenções. Israel tornava-se no maior pária da história do futebol: participou nas eliminatórias europeias para o Mundial-82, em Espanha, e nos dois torneios seguintes foi incluída na Confederação da_Oceânia. O problema era bicudo, mas resolveu-se de forma diplomática: a partir de 1991, os clubes israelitas passaram a disputar as provas europeias e a seleção entrou na fase a eliminar da Europa para o Mundial dos Estados Unidos. Finalmente, em 1994, tornou-se membro oficial da UEFA, precisamente vinte anos após ter sido corrida pelos seus parceiros asiáticos.

Na base dessa medida drástica esteve a Guerra do Yom Kippur, um episódio iniciado por um ataque do Egito e da Síria que ultrapassaram as linhas de cessar fogo no Sinai e nos Montes Golã na tentativa de recuperar territórios anteriormente ocupados pelos israelitas durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967. O facto de o avanço ter sido desencadeado no dia do feriado nacional judaico, Yom Kippur, cumprido com 25 horas de jejum e oração intensa, fez do combate uma nova questão religiosa e abriu espaço a uma escalada da Guerra Fria, com os Estados Unidos a apoiarem Israel e a URSS a ficar do lado dos países árabes. O cessar fogo surgiu vinte dias depois, a 26 de outubro.

 

Quando era Palestina…

A verdade é que a história da seleção israelita já existia antes de tanta tranquibérnia. O jogo foi introduzido na região ainda na vigência do Império Otomano e a Federação Palestiniana de Futebol ganhou o seu lugar de direito na FIFA em Junho de 1929. O que não evitou problemas internos crescentes. Basicamente, todos os clubes da que se chamava, então, Palestina, entrechocavam-se em bravas divergências: havia clubes formados por soldados e polícias britânicos que geriram o território durante o mandato estipulado entre o final da I Grande Guerra e a proclamação do Estado de Israel, em 1948; clubes exclusivamente árabes e clubes exclusivamente judeus. Um espécie de albergue espanhol com bastante mau ambiente. Isso não evitou que a Palestina formasse uma seleção para lutar pela presença no Mundial de 1934, em Itália. Um jogo apenas e uma derrota dura, no Cairo, face ao Egito – 1-7! _No total, a seleção palestiniana, disputou cinco jogos nos quais foi composta totalmente por jogadores de origem judaica. O protocolo chegava ao ponto de obrigar à audição de dois hinos antes dos jogos e para lá do do adversário: o God Save the King e o futuro hino de Israel, o Hatikvah. Só depois é que o árbitro dava ordem para que a bola rolasse sem ferir suscetibilidades.

Em 1948 nasce, finalmente, a seleção israelita com a saída dos ingleses dos territórios sob administração do Reino Unido. Como não poderia deixar de ser, a estreia da equipa nacional de Israel deu-se frente aos Estados Unidos, o grande irmão do lado de lá do Atlântico. Como nem em Hollywood o futebol israelita era levado a sério, os norte americanos enviaram a Tel-Aviv a equipa olímpica. Algo que os amigos judeus agradeceram, sendo derrotados de forma praticamente inevitável por 1-3. Corria o dia 26 de setembro de 1948 e, aos 20 minutos de jogo, Shmuel Ben-Dror, o capitão de equipa, que jogava como central no Maccabi Petah Tikva, marcou o primeiro golo da existência de Israel como seleção.

1964 ficou creditado como o ano de ouro do futebol israelita. Ao organizar a Taça da Ásia, competição na qual já atingira duas finais, em 1956 e 1960, nas cidades de Haifa, Jerusalém, Tel-Aviv e Ramat Gan, a equipa orientada pelo inglês George Ainsley, um antigo jogador do Leeds United nos anos 30, viu-se desde logo confrontada com o boicote das seleções dos países muçulmanos. Assim, com apenas quatro finalistas – Israel, Índia, Coreia do Sul e Hong-Kong, a prova realizou-se em forma de poule. Spiegler foi o autor do único golo frente a Hong-Kong (1-0) e marcou outro contra a Índia (2-0, com o segundo a ser apontado por Yohai Aharoni. No desafio decisivo, Israel ganhou à Coreia do Sul (2-1) com golos de Moshe Leon e Gideon Tish. O país tinha apenas 16 anos de autonomia mas, por mais que quisessem apequenar o seu triunfo, festejou-o condignamente. No caderno da história guarda igualmente uma goleada a Portugal por 4-1, nas eliminatória para o Espanha-82. Três golos de um fulano chamado Beni Tabak.