A questão do regime nunca me interessou. Não percebo o que leva tanta gente a defender denodadamente o regime republicano, como me custa a entender o empenho que os monárquicos ainda demonstram na restauração do trono. O que importa num sistema político não é a forma mas a substância. Salazar percebeu isto muito bem e nunca se propôs – ao contrário do que muitos pensavam – restaurar a monarquia.
Portugal foi o terceiro país da Europa a ter uma república – depois da França e da Suíça – mas isso não fez dele um país mais desenvolvido. Aliás, a urgência dos republicanos na mudança de regime decorria exatamente não do nosso avanço mas do nosso atraso. Se tudo corresse bem, se as instituições funcionassem, não teríamos precisado de ir a correr proclamar uma república.
Em países que funcionavam, como a Inglaterra, a questão do regime não se colocava.
A pressa de acabar com a monarquia decorreu, portanto, da incapacidade para nos desenvolvermos, apesar de termos um extenso império colonial.
Como o país não progredia e estava cheio de problemas, puseram-se todas as responsabilidades no regime monárquico. Se as coisas não andavam para a frente, as causas do mal teriam de estar na Coroa. Os Braganças tornaram-se os grandes ‘inimigos’ do país, pois por causa deles não saíamos da cepa torta.
Mas um rei foi morto, o sucessor foi corrido, colocou-se no seu lugar um Presidente, e os problemas ficaram. Ainda por cima, agravados. De facto, a Primeira República, tão louvada pelos que a conhecem mal, foi um dos períodos mais terríveis da nossa história. Por isso Salazar esteve no poder até à invalidez: ele foi o homem que nos livrou daquele inferno.
Nem a monarquia é má por ser monarquia nem a república é boa por ser república. Temos monarquias que funcionam bem – como a inglesa, a dinamarquesa, a belga, a holandesa, etc. – e repúblicas que funcionam mal, a começar pela nossa e a acabar na grega.
A república tem uma vantagem sobre a monarquia: podermos escolher o chefe do Estado. E a monarquia tem uma vantagem sobre a república: é mais estável e liberta o chefe do Estado da luta política.
O facto de existir uma família real que encarna a nação e a representa, transmite uma ideia mais forte de estabilidade.
E a circunstância de o monarca não depender do voto dispensa-o de se envolver na política. Torna-o independente dos partidos e das agremiações partidárias, podendo teoricamente decidir exclusivamente em função do interesse da nação.
Além disso, numa monarquia a família real é envolvida numa pompa, num cerimonial, num conjunto de rituais que mitificam a chefia do Estado e contribuem para o orgulho nacional.
Mas, repito: uma vez proclamada uma república não faz sentido ficar agarrado ao passado, havendo que seguir em frente.
Vem todo este arrazoado a propósito – imagine-se – do príncipe Harry. Que casou com uma mulher do ‘povo’, Meghan Markle, e escandalizou recentemente o mundo com uma entrevista na TV em que a Casa Real britânica foi arrasada.
O casamento entre um príncipe e uma plebeia é muito bonito para as histórias dos contos de fadas mas levanta problemas sérios. São pessoas que vêm de mundos diferentes, e uma terá sempre de se adaptar a outra vida, radicalmente diferente da que levava.
Percebemos até que ponto a atual rainha de Espanha, Letícia, sofreu ao deixar a vida civil e ingressar na família real.
Foi duro.
E agora temos a história ao contrário: percebemos o que Harry estará a sofrer por ter deixado a família real em que nasceu e ingressado na vida civil, que desconhecia.
Não sabemos bem as motivações de Meghan Markle ao ligar a sua vida à de Harry. Nem ela provavelmente as conhecerá em toda a sua extensão. Suponho que terá experimentado nessa altura sensações avassaladoras: tornar-se de um momento para o outro famosa no mundo inteiro, conhecer por dentro a família mais celebrada do planeta, casar com um príncipe filho da mítica princesa Diana, ficar subitamente rica.
A sua vida conheceu uma mudança assombrosa.
Não digo que não amasse Harry: digo apenas que na sua cabeça não deve ter sido fácil distinguir entre o amor e toda a quantidade de sensações novas que a relação arrastou.
Quanto a ele, deixou-se levar – isso é óbvio. Os homens nestas situações são muito mais volúveis e manobráveis.
Casou por amor, isso é certo, e viu-se num turbilhão de acontecimentos que desembocaram no corte parcial com a família, na abdicação dos seus títulos e na ida para a América.
Basicamente, Meghan roubou um príncipe à Casa Real britânica. O que é obra! Mas foi um passo perigosíssimo. Embora argumente que extraiu Harry ao ambiente pesado da Corte para salvar o casamento, a questão é que a mudança pode destruí-lo mais rapidamente.
Poderá Harry, que sempre viveu em determinado meio, que tinha em Inglaterra os seus amigos e conhecidos, e os seus locais de preferência, que tinha a família (por muito que não gostasse de alguns membros), que tinha todas as recordações e referências, aguentar a mudança para um meio diferente, um país diferente, com outros hábitos, onde não tem amigos nem família, afastado de tudo?
Ao convencer o príncipe a deixar a Corte e mudar-se para a América, Meghan Markle assumiu o tremendo encargo de ‘substituir’ tudo o que Harry perdeu. Dito de outra maneira: a vida de Harry, que decorria em determinado ambiente, relacionando-se com um conjunto de pessoas, frequentando determinados locais, partilhando de um dado cerimonial, hoje resume-se a Meghan (e aos filhos, claro). Harry trocou tudo pelo amor. E isso colocou sobre o casamento uma pressão enorme.
Por estas e por outras é que os casamentos se faziam antigamente entre príncipes e princesas. Pelo menos, estavam todos habituados àquela vida desde que nasciam. Como dizia Alçada Baptista, o grande problema para o casamento surgiu quando as pessoas (e não só os príncipes) deixaram de casar por interesse e passaram a casar por amor. É que os interesses em geral permaneciam, e o amor é instável – vem e vai.