A singularidade do ensino médico acrescida pela pandemia

A rapidez e eficiência com que as Escolas Médicas Portuguesas lançaram um vasto e complexo programa de ensino e avaliação a distância revelou-se suficiente para cumprir os objetivos então definidos

Por Jaime C. Branco
Diretor do Serviço de Reumatologia no Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE. – Hospital de Egas Moniz

Sir William Osler, um dos pais da Medicina moderna, referiu que «quem estuda Medicina sem livros navega, no Mar, sem instrumentos de navegação, mas quem estuda Medicina sem doentes nem sequer vai ao Mar». 

De facto, sem conhecimentos teóricos, um aluno de Medicina não consegue tirar o necessário proveito do contacto prático com os doentes. Porém, sem experiência prática, vasta e diversificada com doentes, nunca será verdadeiramente médico. Depois de, nos primeiros anos, conhecer o que deve saber, como e em que fontes o deve aprender, o futuro médico tem de adquirir aptidões, atitudes, comportamentos e valores que, perante um caso clínico concreto, o habilitarão a decidir os procedimentos médicos a realizar, mas sobretudo por que os tem que efetuar e qual a melhor forma de o fazer.

É por isso que a aquisição de conhecimentos – a imersão na Ciência – pode ser alcançada mesmo com reduzida presença física dos docentes. Contudo, a aprendizagem do que é verdadeiramente ser médico – o mistério da Arte – não será, de todo, possível sem o contacto mantido e repetido com pessoas doentes, de quem se deve absorver o significado dos sinais, dos mais ténues aos mais exuberantes, bem como a semântica dos sintomas, dos inaparentes aos inequívocos.

É com o intenso e continuado treino que colhe dos doentes com que se cruza, e com os mestres de quem se deve deixar impregnar pelo melhor dos seus estilo, dedicação, ética, atitude e ação, que o futuro médico vai filtrando o jeito e o modo com que irá exercer o seu tão nobre ofício. Um ofício baseado na relação médico-doente, que virá a apurar permanentemente ao longo de toda a sua vida profissional.

Em março de 2020, logo no início da pandemia, a generalidade das Escolas Médicas, em Portugal e no estrangeiro, suspendeu as aulas presenciais, considerando o risco de infeção dos alunos, mas, sobretudo nos ciclos clínicos, para salvaguardar o bem maior que é o estado de saúde dos doentes.

A rapidez e eficiência com que as Escolas Médicas Portuguesas lançaram um vasto e complexo programa de ensino e avaliação a distância revelou-se suficiente para cumprir os objetivos então definidos. No entanto, não foi e nunca será capaz de substituir o necessário contexto clínico do trinómio aluno-doente-professor, pedra angular para a aprendizagem médica.

Por isso, em novembro passado, conhecidas a natureza e características da pandemia, bem como o modo de nos precavermos dela, o Conselho das Escolas Médicas Portuguesas tomou uma firme posição crítica quanto à decisão de alguns Conselhos de Administração hospitalares, que impediram a presença de alunos de Medicina nas suas instalações.

Como se tem verificado, o rigoroso planeamento e avultado investimento das Escolas Médicas, em perfeita articulação com os hospitais e cuidados de saúde primários afiliados, pode garantir o contacto dos seus estudantes com os doentes de forma produtiva e segura. As recomendações do Ministério da Ciência Tecnologia e Ensino Superior no contexto das medidas extraordinárias do estado de emergência, decretado para a recente terceira vaga pandémica, muito restritivas, excecionavam: «O ensino clínico e os estágios clínicos devem manter-se em regime presencial, sempre que possível». E as Escolas Médicas assim fizeram, em benefício dos estudantes, mas sobretudo dos seus futuros doentes. 

Os alunos do 6.º ano (finalistas) foram já vacinados e esperamos que os dos 4.º e 5.º anos também o sejam com brevidade. Caminhamos, com suficiente audácia e felicidade, para o fim de um ano letivo muito complicado e exigente, mas muito bem conseguido e, por isso, altamente compensador.