Águeda é capital dos candidatos Trânsfugas

Em Águeda, o atual presidente da Câmara concorrerá com o apoio do PSD, após ter vestido, no passado, as cores do PS e do CDS; o candidato do CDS é um dissidente do PSD e o antigo autarca socialista já foi vereador pelo PSD.

As cores políticas não são sentenças vitalícias e os políticos podem livremente filiar-se e desfiliar-se das diferentes estruturas nacionais conforme entenderem melhor. Seja por acreditarem que a necessidade de servir os concelhos está acima das cores partidárias, ou por sentirem que outras estruturas políticas são mais passíveis de vencer as eleições, a mudança de partido é uma realidade, por vezes, curiosa, já que acontece com frequência que aqueles que em tempos foram oposição passam a ser, literalmente, colegas de partido. Os casos mais notórios serão, talvez, a passagem de Zita Seabra do PCP para o PSD, e de outros desiludos comunistas sobretudo para o PS, ou a ‘guinada’ de Freitas do Amaral do CDS_para um Governo de Sócrates ou do também centrista Basílio Horta para líder da Câmara de Sintra pelo PS.

Nos últimos anos, por outro lado, tem-se assistido a um novo fenómeno: a proliferação de Movimentos de cidadãos. Vários políticos de Norte a Sul do país – como Rui Moreira no Porto ou Isaltino Morais em Oeiras – têm vindo a deixar as estruturas político-partidárias em segundo plano, preferindo concorrer com candidaturas independentes, muitas vezes apoiadas por partidos que, outrora, lhes eram oposição.

Águeda, concelho do distrito de Aveiro, é paradigmático. E pode mesmo dizer-se que bate todos os recordes de trânsfugas (candidatos que mudam de cores políticas de suporte). Em primeiro lugar, o atual presidente da Câmara, Jorge Almeida, que venceu as autárquicas de 2017 com o movimento independente ‘Juntos’, é novamente candidato ao lugar na autarquia, também como independente, agora sob a bandeira do movimento ‘Juntos por Águeda’. Desta vez, no entanto, o enfermeiro de profissão contará com o apoio político do PSD e do Movimento Partido da Terra (MPT). É uma mudança de apoio político que não é inédita no país. Ainda assim, no caso de Jorge Almeida, entra um fator interessante na equação: esta será a terceira força política diferente que lhe ficará associada desde o início da sua carreira política.

De facto, o presidente da autarquia aguedense já vestiu as cores do PS, do qual se separou em 2017 para concorrer à autarquia como independente. Como socialista, serviu um mandato como vereador e mais três como vice-presidente da autarquia. Antes, no entanto, já tinha sido presidente da Junta de Freguesia de Macinhata do Vouga, no concelho de Águeda, com as cores do… CDS-PP. Contam-se, assim, um total de cerca de 24 anos de carreira política, que passaram pelo CDS, pelo PS e mais recentemente como independente, sendo que, nas eleições autárquicas de 2021 terá o apoio do… PSD e do MPT. «Neste caminho que queremos construir, continuamos a agregar vontades e pessoas, mesmo aquelas que, no passado, até tinham algumas opiniões divergentes das nossas. Que as assumiram e defenderam, mas que hoje entendem ser um tempo de convergência e não de divergência», defendeu o autarca na apresentação da sua candidatura, respondendo às críticas sobre a aceitação do apoio político de uma estrutura que outrora teve como oposição. Este é «um movimento independente renovado que mantém o seu alinhamento autónomo, livre de qualquer amarra política ou partidária», garantiu Jorge Almeida.

Em entrevista ao jornal regional Região de Águeda, o aguedense afirmou ser «um autarca, muito mais do que um político», relembrando nunca ter sido militante de nenhum partido. «O cartão que sempre usei nos cargos que ocupo é o meu cartão de cidadão, de aguedense», afirmou Jorge Almeida. O Nascer do SOL não obteve qualquer resposta às tentativas de contacto com o autarca.

 

Do PSD ao CDS

Ainda em Águeda, uma outra situação mexeu as águas autárquicas: Antero Almeida, vereador social-democrata e vice-presidente da concelhia do PSD, decidiu abandonar a cor laranja nas próximas eleições autárquicas para se juntar ao CDS-PP e concorrer como cabeça de lista pelos centristas, após os social-democratas terem preferido apoiar Jorge Almeida em vez de nomear um candidato próprio.

«Não fosse o Movimento Independente Juntos ter utilizado o PSD para prosseguir a sua ambição de se manter no poder, e o cenário de coligação entre o CDS e o PSD teria sido natural, conforme aliás, há muito se elencava entre estas duas forças políticas», criticou o CDS Águeda, que apontou ainda o dedo à opção do PSD e justificou a escolha de Antero Almeida. «Esta decisão vem no seguimento de todo o trabalho desenvolvido por Antero Almeida na oposição ao atual executivo camarário e por ser dos poucos políticos que em Águeda se preparou para ser presidente da Câmara. Consideramos que no atual cenário, nem Antero Almeida, nem o CDS se desviam do trabalho que desenvolveram, durante os últimos 4 anos. No CDS não se muda de opinião em função de interesses, há estratégia, compromisso e sobretudo palavra», pode-se ler na nota dos centristas.

 

PS, mas independente

Naquelas que prometem ser as eleições mais interessantes do distrito de Aveiro – devido às novas coligações partidárias – há ainda um detalhe interessante a incluir. Gil Nadais – que liderou a autarquia aguedense entre 2005 e 2017 com as cores do PS (e com Jorge Almeida como braço direito), chegou a ser vereador pelo PSD na mesma autarquia, em 1993, tendo-se depois candidatado como socialista em 1997 – agora encabeça  a candidatura socialista à Assembleia Municipal aguedense… mas como independente.

Nadais desfiliou-se do PS em 2019, quando se tornou secretário geral da Associação Nacional das Indústrias de Duas Rodas, Ferragens, Mobiliário e Afins (ABIMOTA), mas irá encabeçar a lista socialista para a Assembleia Municipal, ainda que como independente. Significa isto que, se em tempos Jorge Almeida serviu lado a lado com Gil Nadais, sob a bandeira do PS, os dois serão rivais nas eleições autárquicas de 2021, com Nadais (ainda que para a Assembleia Municipal e não para presidente da autarquia) a surgir como independente nas listas socialistas e Jorge Almeida com o seu movimento independente apoiado pelo PSD e pelo MPT.

A Câmara Municipal de Águeda foi um bastião social-democrata durante cerca de 30 anos que, depois de 1976, só em 2005 é que os socialistas conseguiram arrebatar. Mantiveram-se no poder até 2017, quando Jorge Almeida decidiu separar-se do partido e, junto com outros antigos socialistas, bem como elementos de outras forças políticas, lançar-se à autarquia que preside como independente.

 

Bom filho a casa torna

Águeda, no entanto, não é o único concelho do país com autarcas trânsfugas. O caso de Almodôvar, no distrito de Beja, é também curioso. O candidato do PSD às eleições autárquicas de 2021 é António Sebastião, que liderou a autarquia com as cores do PPD/PSD entre 2001 e 2013, nos dois primeiros mandatos como independente nas listas social-democratas, e no terceiro como militante, tendo-se desfiliado do partido em 2013. Seguiu-se uma carreira como independente, e, para as eleições de 2021, Sebastião acabou por regressar oficialmente à lista social-democrata para a autarquia. O almodovarense, no entanto, nem sempre vestiu a cor laranja. Sebastião foi vereador na oposição pela APU e depois CDU, entre 1979 e 1993, tendo depois, em 1997, passado a exercer a mesma função, mas como independente nas listas do PPD/PSD.

 

Carito no Algarve

Ainda mais a sul, em Portimão, Luís Carito, o antigo vice-presidente socialista da autarquia, vai candidatar-se nas próximas eleições autárquicas como independente. Carito, que foi absolvido num caso polémico em que era acusado de branqueamento de capitais, burla qualificada e participação económica em negócio, acabou por decidir concorrer como independente à autarquia. Ao seu lado, no entanto, garantia estar o PSD, CDS e Iniciativa Liberal, Ainda assim, os alegados apoios do PSD e da IL caíram por terra, mas os centristas já oficializaram o seu apoio à candidatura do ex-socialista.

 

Correia em Castelo Branco

Uma situação semelhante ocorreu com Luís Correia, o albicastrense que conquistou as eleições à Câmara Municipal de Castelo Branco em 2013 e 2017 com as cores do PS. Depois de um polémico caso, no entanto, em que Correia foi condenado à perda de mandato, os socialistas decidiram avançar com um outro candidato à autarquia nas eleições de 2021. Luís Correia, por sua vez, vai encabeçar uma candidatura independente, procurando «dar continuidade a uma estratégia de afirmação de Castelo Branco» que começou, diz, «e que é, hoje, uma realidade».