Uma ‘conversa em família’…

Tanto num cenário, a ‘jogar em casa’, como no Parlamento, onde deveria ter prestado contas da governação, o primeiro-ministro foi igual a si próprio.

Percebeu-se na ‘conversa em família’ do primeiro-ministro com as esquerdas parlamentares, durante o plenário supostamente convocado para debater o estado da nação, que o governo não estava preocupado com os seus erros nem sequer com a incompetência e o desgaste de vários ministros.

Percebeu-se, também, que o ‘otimismo irritante’ de António Costa perante a oposição inexistente, tinha a ver com o primeiro cheque de Bruxelas, descontado lestamente, após ter perguntado, em direto, a Ursula von der Leyen se «já posso ir ao Banco», uma piada que ficou para a história de um país de mão estendida.

Antes de voltar ao hemiciclo, com muitas promessas – e fartura de milhões –, Costa já promovera um ‘ensaio geral’ do discurso nas Jornadas Parlamentares do PS, em Caminha, onde anunciou, sem-cerimónia, que «temos agora um novo instrumento», ou seja, o «maior plano desde o Plano Marshall para responder a uma crise económica».

E com isto contornou o défice das contas públicas, que se agravou para 7.060 milhões de euros no primeiro semestre, segundo o Ministério das Finanças. Mas disso não reza a história.

Se, em Caminha, Costa falava para convertidos e dependentes, em S. Bento não foi diferente, explicando a euforia com o orgulho de Portugal ter sido ‘o primeiro’ a apresentar o PRR.

Mas tanto num cenário, a ‘jogar em casa’, como no Parlamento, onde deveria ter prestado contas da governação, o primeiro-ministro foi igual a si próprio.

A desastrada gestão em várias pastas, com relevo para Eduardo Cabrita, Brandão Rodrigues, Marta Temido, Matos Fernandes ou, até, Ana Abrunhosa (que redescobriu o aeroporto de Beja, uma herança de Sócrates, às moscas, que custou muitos milhões), deveria ter aconselhado o primeiro ministro a remodelar o governo em profundidade. Não o fez.

Pactua, por isso, com o descalabro na Educação, ao manter um ministro ‘teleguiado’ pela Fenprof e pela doutrinação da ideologia do género, em aulas mascaradas de Cidadania, com desprezo pela qualidade do ensino publico, como os rankings anuais o demonstram.

Pactua, depois, com as atribulações conhecidas de Cabrita ou Matos Fernandes, desvalorizando as asneiras cometidas, como se fossem ‘casos e casinhos’, perante uma oposição abúlica à direita e comprometida à esquerda.

Entretanto, a reversão da TAP, consome largos milhões ao contribuinte. É um ‘brinquedo’ caro nas mãos do ministro Pedro Nuno Santos, que fez da companhia aérea uma ‘bandeira’, onde o país enterra dinheiro em pura perda.

Sem travões da oposição, o primeiro-ministro governa para as televisões, enquanto vai distribuindo avenças e prebendas, como a nomeação de Boaventura Sousa Santos para o Conselho Nacional de Ética para Ciências da Vida, onde já tinha assento o filho do sociólogo, sem que se perceba qual é a lógica, a menos que seja virtuosa a sua teorização sobre as ‘virtudes’ de regimes totalitários, como o cubano ou venezuelano.

Lembra a nomeação da ex-ministra Ana Paulo Vitorino, casada com Eduardo Cabrita, para presidir à Autoridade da Mobilidade e dos Transportes, outro regulador cuja independência fica posta em causa, por muito que a ex-governante e deputada do PS ‘bata com a mão no peito’ a jurar que não há a menor incompatibilidade.

O estado da nação deu nisto: esbanjam-se milhões para sustentar convicções ideológicas, favorecem-se descaradamente familiares, amigos e compadres, com ‘sede ao pote’; protege-se o ‘trânsito’ de magistrados entre o governo e os tribunais, como se fosse algo absolutamente natural, quando não é.

Valha-nos, neste aspeto, o bastonário dos advogados, que soube por os ‘pontos nos is’, ao defender – e bem – que magistrados que vão para o Governo não deviam poder voltar aos tribunais.

É o caso, entre outros, de Francisca Van Dunem, que, em novembro de 2016, tomou posse como juíza conselheira do Supremo Tribunal de Justiça, sem abdicar de ser ministra da Justiça, nem vendo nisso qualquer conflito, ao contrário de vários especialistas em Direito que então se pronunciaram, arguindo ficar ferido o princípio da separação de poderes.

É um lugar que ocupará, portanto, quando cessar funções como ministra, o que lembra, irresistivelmente, a forma como Mário Centeno ‘cativou’ o cargo de governador do Banco de Portugal, tão cedo deixasse as Finanças no Terreiro do Paço.

Formalmente, quer num caso, quer noutro, não existe nenhuma ilegalidade, embora a ética republicana sofra ‘tratos de polé’.

O certo é que, paulatinamente, o PS vai minando o aparelho de Estado, ao colocar os seus fiéis em postos nucleares, cuja influência há de perdurar mesmo que amanhã percam eleições.

Em Belém, Marcelo ficará no seu casulo, sem asas para voar…