Vacinas ideológicas

Com todo o respeito por esses países, faz algum sentido estar a mandar milhões de doses enquanto não se vacina a população toda que vive em Portugal para tentar a tal imunidade de grupo? Ou será que vamos mesmo ter outro ano escolar para esquecer, com milhares de jovens a serem sistematicamente enviados para casa…

Quando estive em Angola e Moçambique constatei que a Escola Portuguesa tinha uma longa fila de espera de alunos locais e de filhos de expatriados que queriam aí estudar,  mas, como não havia vagas, as famílias – que podiam, como é óbvio – angolanas e moçambicanas optavam por inscrevê-los nas escolas americana, francesa ou italiana. A falta de professores portugueses assim o determinava. Também por falta de dinheiro, vi ambos os Governos ‘oferecerem’ autênticas relíquias a outros Governos europeus, pois Portugal, através do Instituto Camões, não tinha dinheiro para investir meia dúzia de euros em espaços culturais que depois eram entregues a outras nações.

Não compreendia como tal era possível, já que o investimento na língua portuguesa não devia ter preço, atendendo até que, em Moçambique, por exemplo, só cerca de 30% da população é que fala e escreve em português. O sentimento de impotência era evidente e na altura da troika ainda se fazia sentir com mais força.

Hoje, tudo é diferente no que diz respeito à relação com os países de língua oficial portuguesa e até parece que já estamos a pagar a fatura pelo passado colonial. Quem será o mentor de tal estratégia? Terá o Bloco de Esquerda alguma coisa a ver com isso? Será uma das imposições, entre muitas outras, para a aprovação do próximo Orçamento do Estado? Vejamos o seguinte: enquanto se discute a vacinação dos jovens entre os 12 e os 15 anos – muitos acreditam que a mesma (discussão) só existe pela inexistência de vacinas –  Portugal decide por artes mágicas aumentar de um milhão para quatro milhões as vacinas que irá oferecer aos PALOP e a Timor!

Com todo o respeito por esses países, faz algum sentido estar a mandar milhões de doses enquanto não se vacina a população toda que vive em Portugal para tentar a tal imunidade de grupo? Ou será que vamos mesmo ter outro ano escolar para esquecer, com milhares de jovens a serem sistematicamente enviados para casa depois de algum colega ter dado positivo, devido a não estar inoculado com as duas doses?

Repito, acho fantástico que Portugal ajude os países de língua portuguesa, e outros se conseguir, mas fazê-lo enquanto por cá temos uma ferida aberta não me parece grande ideia. E se  esses milhões de doses ainda resolvessem os problemas da CPLP ainda se percebia, mas não. Logo, não se vai resolver nenhum problema, nem lá, nem cá. Calculo que o vice-almirante responsável pela task-force da vacinação esteja à beira de um ataque de nervos. O homem bem explica que não há mais jovens vacinados porque não tem vacinas e teve de optar pelos grupos de maior risco – os mais velhos.

Ao ver Portugal a portar-se como novo-rico, dando o que não pode, como reagirá Gouveia e Melo? Acredito que não lhe reste outra hipótese que não seja habituar-se à esperteza do primeiro-ministro que quer agradar a todos, ocultando a verdade.

 

P. S. Nas redes sociais não faltam textos, uns muito bem ‘sacados’, sobre o Portugal ‘racista’ que tem um atleta cubano que optou por ser português para fugir à ditadura cubana; um judoca que nasceu em São Tomé e chora quando ouve o hino português e que sonha ser polícia; uma atleta cujos pais nasceram em Angola e que tem um orgulho enorme no ser português, demonstrado pela enorme bandeira com que correu na pista de Tóquio, além de ser uma das mulheres mais bonitas de Portugal; e até uma atleta, Auriol Dongmo, que quis ser portuguesa pela sua devoção a Nossa Senhora de Fátima. Certo é que a portugalidade é isso tudo e não são três dúzias de skinheads que mudarão a história de um país. Onde os povos se cruzam além das polémicas de intelectuais de esquerda que sonham com guerras ideológicas.

 

vitor.rainho@sol.pt