“Os lares são os sítios onde morreram e morrem mais pessoas. O resto é conversa e show-off”

“A DGS sonega informação por interesses políticos, económicos, não sabemos muito bem quais”, denuncia Rui Fontes, enfermeiro e presidente da Associação Amigos da Grande Idade.

Depois de a Direção-Geral da Saúde (DGS) ter anunciado que Portugal registava, a 2 de agosto, 53 surtos de covid-19 em lares, o que representava 829 infetados com o coronavírus, a Associação Amigos da Grande Idade (AAGI-ID) alerta para o impacto da situação pandémica na terceira idade e teme a ocorrência de mais mortes nesta faixa etária.

“O problema concreto é o seguinte: sempre lutámos por maior informação. As entidades têm de a ter. A DGS sonega informação por interesses políticos, económicos, não sabemos muito bem quais”, começa por explicar Rui Fontes, presidente da associação e proprietário da Residência Sénior Lezírias, em Salvaterra de Magos, distrito de Santarém. “No caso dos lares, esta ocultação atinge uma gravidade muito elevada. Nós, que estamos no terreno, não temos qualquer hipótese de intervir de uma maneira coordenada e eficaz porque não sabemos o motivo pelo qual estão a existir surtos novamente”, confessa o também enfermeiro.

“Foram criadas várias comissões de acompanhamento pela DGS e pela Segurança Social quando estivemos no pico da pandemia. Atualmente, nem sequer conhecemos os relatórios das tão famosas equipas de emergência”, diz, referindo-se ao facto de que, em agosto do ano passado, foi noticiado que o Governo e as instituições sociais criariam um protocolo para efetivar a criação de equipas de emergência distritais, recrutadas à Cruz Vermelha, com o objetivo de dar resposta a eventuais novos surtos de covid-19 em lares.

“Até hoje, o único relatório que lemos foi o da Ordem dos Médicos sobre a tragédia de Reguengos de Monsaraz. A partir daí, não soubemos nada. Julgamos que a DGS e a Segurança Social, que tutela os lares e está completamente fora dos mesmos, nunca mais esteve em contacto connosco, mas tem a obrigação de nos dizer “Atenção, sigam x procedimento” ou “Atenção, a vacina não tem assim tanta eficácia”, sublinha o profissional de saúde especializado em massagem e Cuidados Paliativos, assim como em gestão de saúde.

 

Lisboa com mais surtos, mas e os lares ilegais?

“Deixaram sair os residentes dos lares para a rua sem contenção no seu regresso e, logo a seguir, terminaram os testes feitos quinzenalmente aos trabalhadores para avaliar e controlar a situação. Estas duas iniciativas deram origem a que os diretores técnicos, as famílias dos residentes, os residentes conscientes, etc., achassem que estava tudo solucionado”, denuncia Rui Fontes, não descartando, porém, a ideia de que os surtos podem ter ocorrido por outros motivos como por mau desempenho, tendo em conta que podem não ter sido cumpridas as medidas de segurança em vigor.

No entanto, “se for esse o caso, temos de normalizar procedimentos e comportamentos, tal como a fiscalização, pois os lares são os sítios onde morreram e morrem mais pessoas. O resto é conversa e show-off”, condena o enfermeiro, avançando que a associação se encontra “muito preocupada porque há uma lavagem das mãos tal como a de Pôncio Pilatos”.

Segundo dados da DGS, no dia 2 de agosto, a região de Lisboa e Vale do Tejo é a que mais surtos ativos registava – 25 com 270 casos. De seguida, surgia a região Norte com 247 casos correspondentes a 10 surtos em lares. Por sua vez, o Centro registava 138 casos nos seis surtos ativos, o Algarve 106 casos em quatro surtos e o Alentejo 68 casos de infeção em oito sustos. Só decorridos 28 dias após a data do diagnóstico do último caso confirmado é que o surto é dado como encerrado. “Parte dos casos registados nestes surtos estarão, por esse motivo, já recuperados”, destacou a DGS.

“A AAGI-ID acha que houve uma extraordinária intervenção com a vacinação, mas estamos outra vez infetados. Eu já proibi as visitas, pus e levantei contenções… Fico atrapalhado”, declara Rui Fontes, explicando que “centenas de diretores técnicos” sentem o mesmo e afirmam que não sabem aquilo que devem fazer. Esta confusão chega também ao cerne das famílias e pode gerar conflitos porque as mesmas não entendem os constantes avanços e recuos nas decisões tomadas.

“Até agora, ninguém entrou em contacto connosco. Estamos habituados a isso. Não queremos alarmar, mas sim que haja intervenção. Temos dito que a comunicação social é que tem salvo os idosos. Porque, infelizmente, o Estado somente intervém quando a informação vem a público”, lamenta o responsável. E acrescenta:_“Antes da pandemia, ninguém conhecia o interior dos lares e o desconhecimento mantém-se um ano e cinco meses depois”.

“O grau de letalidade nos idosos, qualquer que seja a variante do vírus, pode chegar aos 70%. E são eles que enchem as unidades de cuidados intensivos. As pessoas mais jovens, muitas das vezes, nem sintomas têm. A realidade é que as autoridades sabem disto e só determinam medidas quando os media agem”, sublinha, lembrando, a título de exemplo, o surto de há três semanas num lar na União de Freguesias de Serra e Junceira, em Tomar, onde existem mais duas residências de cariz ilegal.

“Como estão a ser monitorizados, acompanhados e vigiados os lares de idosos ilegais identificados pelas autoridades?”, questionou a associação no comunicado partilhado este domingo. “Não sabemos quantos lares ilegais existem. O_Estado tem pessoas mais do que capazes de tirar estas conclusões. Há falta de consciência. No início, nem sequer houve noção do drama que atingiu os lares”, lastima. E não compreende como é que a Ordem dos Médicos e/ou a Ordem dos Enfermeiros “não tiveram sequer o bom senso de dizer: ‘Meus caros médicos e enfermeiros, penalizamos qualquer profissional que trabalhe num negócio ilegal’”.