A comida única

O ministério da propaganda anunciou, com pompa e circunstância, mais uma medida revolucionária tendo em vista a preservação da saúde pública. Através de uma portaria governamental, as escolas estão proibidas de vender uma panóplia de alimentos e bebidas, constantes numa extensa lista em que são discriminados os produtos proibidos, como bolos, salgados, sanduíches, bolachas, refrigerantes,…

O ministério da propaganda anunciou, com pompa e circunstância, mais uma medida revolucionária tendo em vista a preservação da saúde pública.

Através de uma portaria governamental, as escolas estão proibidas de vender uma panóplia de alimentos e bebidas, constantes numa extensa lista em que são discriminados os produtos proibidos, como bolos, salgados, sanduíches, bolachas, refrigerantes, rebuçados, batatas fritas, hambúrgueres, molhos, cremes de barrar e gelados, entre largas dezenas de iguarias alegadamente prejudiciais  à saúde, para que as crianças possam ter uma vida mais saudável.

À primeira vista pode-se afigurar como uma decisão sensata, porque o bem-estar físico e mental  dos mais novos é fundamental no seu processo de crescimento, mas, na verdade, estamos perante uma jogada perversa e atentatória dos direitos dos pais.

O que estamos a assistir é, grosso modo, a uma abusiva intromissão do Estado na esfera exclusiva da família, única instituição a quem cabe a responsabilidade pela educação daqueles que crescem no seu seio.

A escola ensina, não proíbe. A escola instrui, não educa!

Pode, e deve, ser um instrumento auxiliar das famílias na educação dos alunos que tem à sua guarda, mas nunca, em circunstância alguma, se deve deixar dominar pela presunção de se substituir àquelas.

São os pais quem têm de decidir que tipo de educação deve ser ministrada às suas crianças,  nomeadamente quais os valores que lhes devem ser incutidos e quais as crenças pelas quais estas devem ser orientadas, e não um grupo de burocratas com o traseiro sentado numa cadeira de um qualquer gabinete ministerial.

É à família, e não ao Estado, que compete decidir qual a alimentação que deve ser seguida, tanto em casa como fora dela, estando os pais obrigados a zelar pelo rigoroso cumprimento das regras que eles próprios impuseram aos seus filhos.

O Estado não tem que determinar o que cada qual pode ou não comer, mas sim, através dos meios que tem à sua disposição, como as escolas e as autoridades de saúde, ensinar quais os alimentos que são mais saudáveis e quais os que podem prejudicar a saúde daqueles que ainda não têm essa capacidade de discernimento.

Não tenhamos dúvidas de que esta iniciativa do governo mais não representa do que um novo passo na estratégia de esvaziar o papel da família, cujo objectivo final é a sovietização da sociedade, com o Estado a impôr-se como autoridade única.

Ao Estado deixou de estar atribuída a tarefa de servir as populações, invertendo-se essa competência, existindo agora os cidadãos apenas com o fim último de servir o Estado.

Estas investidas estatais contra o lugar que a família deve desempenhar dentro da comunidade não são inocentes e têm vindo a ser executadas no decorrer dos últimos anos, sem que praticamente ninguém, da classe política à comunicação social, tenha a coragem de as denunciar.

As escolas, paulatinamente, transformaram-se num instrumento da estatização das pessoas, procurando retirar à família a jurisdição que lhe era reservada.

Depois do pensamento único, imposto com o suporte da disciplina da cidadania, agora temos a comida única, em que é o Estado que decide o que é bom e o que é mau para se alojar na barriga de quem frequenta os estabelecimentos de ensino.

E os Goebbels dos tempos modernos, encarregues de propagandear as iniciativas do governo a que prestam vassalagem, não deixaram nada ao acaso, adoptando as necessárias cautelas para que a imprensa, submissa ao poder político, delas fizesse eco, sem qualquer contestação.

As televisões do regime enalteceram a preocupação dos nossos governantes com a sanidade das gerações vindouras, abrindo debates alusivos à temática em questão e em que o tema dominante foi a unanimidade.

Num desses canais, na única reflexão a que me propus assistir, mas admito que nas restantes televisões o método tenha sido exactamente o mesmo, o painel de supostos comentadores era composto estritamente por opinadores com o mesmíssimo discurso, o de consonância com a nova modalidade alimentar dos alunos em idade escolar.

Nem uma única voz discordante!

Não há direito ao contraditório. Todos são livres de exprimir as suas ideias, desde que estas não colidam com o pensamento único dos guardiães do regime.

Exemplo deste assassinato do estado de direito, no qual alguns ingénuos ainda acreditam viver, foi a alocução inflamada de uma das convidadas do mencionado programa: disse ela que o governo deve aconselhar sobre o assunto que estava em discussão, mas se as pessoas não acatarem o conselho, nesse caso deve-se partir para a proibição.

Ipsis verbis, o que ouvi de quem tem poder de decisão neste lamentável País, outrora digno e respeitado.

Primeiro aconselha-se, deixando-se ao critério de cada um o cumprimento, ou não, da orientação estatal. Mas se esta não for levada a sério, então proíbe-se!

É esta a democracia de Abril!

O Estado totalitário é hoje uma realidade indiscutível, em que uma pequena parte, a nova elite da burguesia reinante, impõe a sua vontade a um todo, um povo cada vez mais acobardado e estupidificado pela falsa cultura com que é sistematicamente bombardeado, remetendo-se ao silêncio e aceitando, sem pestanejar, todos os atropelos aos seus mais elementares direitos que diariamente lhe são sonegados.

Mas esta decisão de banir das escolas uma quantidade interminável de alimentos e bebidas, para além de perversa, é igualmente desnecessária e estúpida.

Desnecessária, porque há muito que as escolas puseram termo, voluntariamente, à venda da maioria dos produtos agora catalogados como fruto proibido.

Estúpida, porque as crianças não vão abdicar de comer as guloseimas que não encontram na cantina da escola, pelo que as vão adquirir na pastelaria mais próxima, geralmente sita mesmo em frente à instituição de ensino onde se encontram matriculados.

Ou então, pior ainda, trazem de casa!

O passo seguinte, na senda da veia proibitiva de quem escolhemos para definir os nossos destinos, será, naturalmente, o de ilegalizar a venda a menores desses produtos em qualquer estabelecimento comercial.

Imagine-se, num restaurante, um jovem, acompanhado dos seus progenitores, solicitar um hambúrguer com batatas fritas e o empregado negar-se a satisfazer o pedido, argumentando, para o efeito, com a obrigação do Estado em zelar pela saúde de quem ainda está em fase de crescimento. Não para os lados, entenda-se!

Já estivemos mais longe desse futuro próximo.         

Pedro Ochôa