Dois anos é muito tempo

O Congresso de Portimão foi missa cantada para António Costa

Em política, dois anos é muito tempo. Então quatro é uma eternidade. Tudo pode acontecer. 

Até porque, em política, o que hoje é verdade amanhã pode ser mentira. E vice-versa.

É por isso que os políticos – por regra – preocupam-se demasiado com o curto prazo, muito pouco ou quase nada com o médio prazo e absolutamente nada com o longo prazo.

Quando não sabem o que lhes reserva o dia de amanhã, por que haveriam de pensar onde estarão daqui a cinco ou 10 anos ou menos ainda no que deixarão de legado para as gerações vindouras?

O que conta é o imediatismo (e o mediatismo). O resto não existe. E, quando existe, é um problema que já não é de quem tem ou está no poder hoje mas de quem na altura o tiver ou nele estiver ou vier a estar. Por isso, esse outro que o resolva, se o conseguir, porque o problema será dele. Até lá, está resolvido.

Esta lógica de resposta aos objetivos mais imediatos é normalmente fatal para os países e empresas que a praticam como política e são sobretudo compensadoras para os governantes ou gestores que assim vão sendo reconduzidos com os votos dos eleitores ou com chorudos prémios aprovados por incautos acionistas. 

Até um dia.

Ou até ao dia em que a procura do retorno imediato e do resultado conjuntural resulta evidente no prejuízo da consolidação e da base estrutural das economias, tanto numa empresa como no Estado, e do bem comum e, consequentemente, deixam de permitir mais qualquer ganho.

António Costa nunca foi uma máquina de campanha nem deixou propriamente marca por onde passou. Mas é um exímio gestor de poder, de poderes e de objetivos de curto prazo.

Ao ponto de, a manter-se estável uma conjuntura, interna e externa, que lhe tem sido claramente favorável, se permitir planear o seu futuro político a… longo prazo.

Pedro Nuno Santos, que marcou terreno em 2018, no Congresso da Batalha, percebeu-o bem – porque conhece António Costa há tempo suficiente e manobra como poucos no aparelho em que se profissionalizou – e por isso remeteu-se ao silêncio em Portimão.

Como Fernando Medina sabe quais são os planos do chefe e daí que não tenha sido surpresa alguma ter vindo dizer que até 2025 ficará em exclusivo dedicado à Câmara de Lisboa. Acaso tinha alternativa?

Mariana Vieira da Silva ou Marta Temido cumpriram o papel que Costa lhes reservara e Ana Catarina Mendes, não obstante a sua maior autonomia no partido, a mesma coisa.

Não houve nem podia haver qualquer discussão em Portimão sobre a sucessão do líder do PS. Esse, reeleito com 94% dos votos, é António Costa e ponto final, porque o parágrafo há de fazer-se quando mais lhe aprouver.

Num mero exercício académico ao jeito daqueles que um velho professor fazia nos seus tempos de comentário e futurologia, António Costa já desfez o tabu para quem o quis compreender: num quadro sem grandes e imponderáveis alterações, será novamente candidato em 2023, tentará conquistar a maioria absoluta ou manter uma bancada parlamentar suficientemente sólida para não ficar dependente apenas do PCP ou apenas do BE, e anunciará a candidatura às presidenciais de 2026 antes no verão de 2025.

Ou seja, bem sabendo que nos últimos seis meses do seu mandato o Presidente não pode dissolver a Assembleia da República nem, por conseguinte, demitir o Governo, António Costa abrirá só então o processo da sua sucessão. Sendo que, aí e nesse caso, não se jogará apenas a liderança do partido, mas também e sobretudo a do Governo.

Pode inclusivamente, e para baralhar as contas, abrir o processo de escolha do próximo líder socialista não apenas aos militantes mas também aos simpatizantes ou votantes do PS, por forma a aumentar a legitimidade do seu sucessor na chefia do Governo, sem precisar de uma mudança por aí além nos estatutos do partido.

Para a História, António Costa ficaria como o primeiro político a sair de S. Bento diretamente para Belém e a cumprir o sonho de Sá Carneiro de ter ‘uma maioria, um Governo e um Presidente’.

É, obviamente, um mero exercício de adivinhação ou teoria profética. Até porque, em política, o que hoje é verdade amanhã é mentira e, se dois anos é muito tempo, quatro anos são uma eternidade. E tudo ou muito entretanto pode acontecer.

Nunca tendo sido um soarista, António Costa é o líder do PS que mais se aproxima de Mário Soares como político. Mas, mais até do que Soares, pensa demasiado no presente e no dia imediatamente seguinte para ter planos de tão longo prazo. 

Que não são, infelizmente para o país, a sua prioridade.