Papa incomoda conservadores e apoia a comunidade cigana

O sumo-pontífice encontrou-se com uma das comunidades mais pobres Europa de Leste, onde políticos como Viktor Órban, autoproclamado defensor dos valores cristãos, vão ganhando terreno.

O bairro de Lunik XI, em Kosice, um dos maiores e mais miseráveis assentamentos da comunidade cigana na Eslováquia, onde se vive sem acesso a saneamento, água corrente ou eletricidade, e onde boa parte dos eslovenos nunca se imaginaria a entrar, recebeu uma visita do Papa Francisco, esta terça-feira. No quarto dia da sua viagem pela Húngria e Eslováquia, que tem deixado os seus governos conservadores bem desconfortáveis, o Papa esteve com uma população que enfrenta “preconceitos e juízos duros, estereótipos discriminadores, palavras e gestos discriminatórios”, pedindo que fosse dadas às gerações mais novas desta comunidade as oportunidades que os mais velhos não tiveram.

“Os seus grandes sonhos não devem colidir com as barreiras que nós erguemos. Eles merecem uma vida bem integrada e livre”, apelou o sumo-pontífice, citado pela Associated Press. Lá fora, a poucos metros de distância, um enorme aparato de polícia e soldados tinha montado vedações nas principais vias do bairro, para impedir que moradores não autorizados entrassem na pequena área reservada ao público.

“Marginalizar os outros não leva a nada”, continuou Francisco, perante os moradores de Lunik XI. “Segregarmo-nos e aos outros povos acabará por levar à raiva. O caminho da coexistência pacifica é a integração. Um processo orgânico, gradual e vital, que começa por conhecer o outro”.

A ida do Papa a Lunik XI já teve pelo menos um efeito positivo: na preparação da visita, para não deixar o sumo-pontífice mal impressionado, finalmente foram reparadas algumas estradas, notaram alguns residentes. Outros sentem algo mais. “As pessoas estão diferentes, consegues sentir no ar o Espírito Santo”, garantiu um morador do bairro à AP. Sentes a liberdade no ar”.

Confronto entre linhas Quanto é que o apoio aos cerca de 400 mil ciganos eslovacos afetará a popularidade do sumo-pontífice entre o resto da população, só o tempo dirá.

Contudo, tanto na Hungria, onde metade do país pretende votar no Fidesz de Viktor Orbán, segundo o Politico, como na Eslováquia, onde os conservadores têm conquistado cada vez mais poder, a reação dos católicos não tem sido entusiástica.

“Lembro-me das visitas do João Paulo II cá. Ele era como uma superestrela, vinham milhões de pessoas. Agora é completamente diferente”, recordou Michal Havran, um apresentador de televisão eslovaco.

“Se fores aos fóruns de Facebook fechados dos conservadores católicos, podes ver e ler opiniões a dizer que o Papa não é católico, que isto não é catolicismo a sério”, explicou Havran a um repórter da BBC, que não deixou de notar que, “para lá das bandeiras amarelas e brancas penduradas nos candeeiros, a atmosfera em Bratislava parecia silenciosa”.

Mesmo assim, o Francisco não se mostrou intimidado. Dias antes, num curta visita de horas a Budapeste, recebera de Órban, autoproclamado defensor dos valores cristãos, a cópia de uma carta do Rei Bela IV da Hungria, no século XIII, endereçada ao então papa, Inocêncio IV, pedindo ajuda para enfrentar a invasão mongol da Europa. A justificação dada pelo Governo húngaro foi que a situação seria semelhante hoje – já Francisco retorquiu pedindo a Órban que “abra os braços a todos”, segundo a CNN.

E mesmo ontem, em Kosice, o Papa Francisco não resistiu a deixar um apontamento que poderia ser lido como crítica à hipocrisia de dirigentes conservadores. “Encontramos crucifixos em todo o lado à nossa volta, em pescoços, casas, carros, bolsos”, referiu o líder da Igreja Católica. “Não reduzamos a cruz a um objeto de devoção, muito menos a um símbolo político, um sinal de estatuto social e religioso”.