Uma brilhante ofensa

Eurico Brilhante Dias, secretário de Estado da Internacionalização, conseguiu juntar toda a insensibilidade para com milhares de famílias que perderam entes queridos, nalguns casos nem se puderam despedir deles

Não, não é um embirração, é apenas uma constatação. Aos governantes de António Costa tudo, ou quase tudo, é permitido. João Galamba, o ajudante do ministro do Ambiente, pode chamar «estrume e coisa asquerosa» a uma jornalista que nada se passa. Deputados socialistas podem fazer a apologia da destruição do Padrão dos Descobrimentos. O ministro da Administração Interna pode dizer que o ajuntamento de milhares de pessoas era inevitável até porque era impossível conter uma alegria que já era do ano passado. Pode também nada dizer sobre o acidente que vitimou um trabalhador numa autoestrada, quando as testemunhas e os especialistas dizem que o carro onde o ministro se deslocava ia a mais de 200 quilómetros por hora que Eduardo Cabrita continua na maior. 

Ontem, outro governante, Eurico Brilhante Dias, secretário de Estado da Internacionalização, conseguiu juntar toda a insensibilidade para com milhares de famílias que perderam entes queridos, nalguns casos nem se puderam despedir deles, ao afirmar o seguinte: «Vou dizer uma coisa que talvez não seja politicamente correta, nós ganhámos com a covid-19. E ganhámos porquê? Ganhámos porque Portugal foi um país que, tendo as suas dificuldades, enfrentou a covid-19 com bastante êxito, dentro daquilo que [foi possível]».

Quase 18 mil mortes depois, vidas desfeitas e uma economia de rastos era difícil ter menos respeito por um período tão negro. «Evidentemente, faleceram muitas pessoas, e muitas pessoas passaram muito mal, mas Portugal mostrou ser um país muito organizado, que enfrentou uma realidade muito disruptiva com sucesso. Rapidamente, em 2020, fomos das primeiras economias a reabrir, e a mostrar que a economia estava aberta, e isso teve um efeito positivo sobre a marca Portugal», acrescentou o brilhante governante.

Percebeu-se que o primeiro-ministro ficou incomodado com tal alarvidade, mas não se pronunciou quando questionado pelos jornalistas a propósito da tirada do seu ajudante.

Há 28 anos, Cavaco Silva obrigou o seu ministro do Ambiente, Carlos Borrego, a demitir-se depois deste ter contado uma anedota de um profundo mau gosto. Por essa altura, 1993, tinham morrido 25 doentes da Unidade de Hemodiálise do Hospital Distrital de Évora, já que o hospital era abastecido com a água da albufeira de Monte Novo, que estava contaminada com excesso de alumínio. Carlos Borrego lembrou-se de brincar com a situação: «Sabem o que é que no Alentejo – em Évora melhor dizendo – fazem aos cadáveres das pessoas que morreram ultimamente? Levaram-nos para reciclar, para aproveitar o alumínio».

Cavaco Silva teve o bom senso de o chamar e apontar-lhe a porta de saída, entrando para o seu lugar Teresa Patrícia Gouveia. Mas eram outros tempos e o primeiro-ministro de então, um homem sorumbático e pouco dado a brincadeiras, assim pensava. No Governo de António Costa só houve uma vítima, João Soares, que ameaçou dar umas palmadas a críticos literários e isso António Costa achou demais.

Eurico Brilhante Dias, quer se queira ou não, acabou por brincar com todos aqueles que ficaram sem os pais, irmãos, primos ou amigos. Brincou também com todos aqueles que perderam o emprego ou viram o seu ordenado baixar significativamente. Resumindo: dizer que a covid-19 foi boa para Portugal é de uma falta de sensibilidade atroz. O secretário de Estado da Internacionalização bem pode continuar com as suas grandes tiradas e lançar um novo slogan para atrair turistas: «Covid? Não se importe com isso. Venha para Portugal que aqui ganha-se com a pandemia».

P. S. Quem vive há muitos anos em Lisboa lembra-se do que era a zona onde hoje está o Parque das Nações. Será que em Matosinhos a transição verde passará – depois da descontaminação – por um novo condomínio à semelhança do Parque das Nações? Veremos daqui a uns tempos…

vitor.rainho@sol.pt