O ideal para Portugal, segundo Costa

Seja como for, e tendo em vista o estado de aparente agrado, apatia ou desistência a que o PS de Costa tinha levado a maioria esmagadora dos portugueses, não posso senão dar-me por muito feliz pelos sinais de vitalidade que boa parte do país acabou por (inesperadamente) revelar nestas eleições

Por António Silva Carvalho, médico reformado

Na noite de 26 para 27 de Setembro, por volta da uma hora, quando na televisão começou a perceber-se que afinal as sondagens nos tinham (mais uma vez) induzido em erro e que o ganhador mais provável em Lisboa era mesmo capaz de ser o engº Moedas mas ninguém o queria admitir, o sinal indirecto de que a verdade era essa foi ter aparecido o dr. Costa, primeiro-ministro e secretário-geral, que, numa longa intervenção sem gravata mostrou, com números, e sempre sorridente como só ele é capaz, que o grande vencedor numérico destas autárquicas, a nível nacional, era obviamente o PS. Esse foi – até por ter sido feito à socapa, como fazem os que perdem e querem aparentar vitória – o sinal inequívoco de que o seu querido Medina, pretenso delfim e repetido vencedor, tinha mesmo perdido a eleição para a câmara de Lisboa.

Mas a grande lengalenga de Costa serviu em especial para nós entendermos qual é, na verdade, aquilo que este grande estadista acha que seria o ideal político para que o nosso país se tornasse numa das mais ricas e desenvolvidas nações da Europa e do mundo. Ora, a receita de Costa para atingir essa esplendorosa finalidade, é muito simples: todas as autarquias portuguesas, todos os governos nacionais e locais, todas as autoridades públicas – legislativas, executivas, judiciais, de regulação económica, etc., e mesmo a Presidência da República – deviam ser membros do Partido Socialista.

Não quer dizer que, segundo Costa, devêssemos ter um regime de partido único. Parece, mas não é bem isso, até porque formalmente somos uma democracia representativa, se bem que o actual PS (com líderes como Sócrates ou Costa) tudo ou quase tudo tem feito para ser “dono disto tudo” no plano dos factos. Porém, sem dúvida que na sua mente brilhante (e volto à intervenção propagandística que fez no fim da noite eleitoral), sendo o PS um partido melhor do que qualquer outro, é lógico que os portugueses só poderiam beneficiar se, de sua livre vontade, optassem sempre por eleger socialistas certificados, como ele próprio, José Sócrates (em versão inocente), Eduardo Cabrita, João Galamba, Ana Jorge, C. Santos Ferreira, Ana Catarina Mendes, Paulo Campos, Elisa Ferreira, José Magalhães e tantíssimos outros, mais ou menos famosos, mas todos capazes e irmanados na vontade comum de fazer bem aos cidadãos carentes ou ignorantes, aos trabalhadores e funcionários em geral.

Não me consta, porém, que exista no mundo real algum país com as características e a homogeneidade que Costa parece desejar para o nosso, e, caso exista algum (talvez Cuba, a Coreia do Norte ou a Venezuela?), não consta que tal tipo de receita tenha dado muito bom resultado em qualquer desses países, nem em termos económicos, nem do ponto de vista da felicidade e liberdade dos respectivos cidadãos, ou à luz de qualquer outro critério. Mas admito que no plano ideológico / teórico, e para quem preza muito mais a igualdade do que a liberdade das pessoas, esta receita faz sentido, e os seus fãs devem ter o direito de fazer a sua apologia – desde que haja, ao mesmo tempo, o direito de os seus adversários não serem forçados a acatar tal modelo de sociedade, incluindo serem livres de troçar e rir publicamente da dita receita e suas consequências.

Seja como for, e tendo em vista o estado de aparente agrado, apatia ou desistência a que o PS de Costa tinha levado a maioria esmagadora dos portugueses, não posso senão dar-me por muito feliz pelos sinais de vitalidade que boa parte do país acabou por (inesperadamente) revelar nestas eleições, e incluo certamente o meu mais sentido e efusivo agradecimento e louvor a Carlos Moedas e também a toda a sua equipa, aos quais desejo a melhor das sortes, sobretudo porque prevejo que vão ter de continuar a lutar contra tudo e contra todos, pois o que vão encontrar na CML é, muito provavelmente, um campo minado de A a Z que era suposto durar para sempre – ou seja, até à destruição metastática de qualquer hipótese de vir a haver uma Lisboa sustentável, equilibrada e funcional. E porque digo isto, sem ter provas irrefutáveis? Porque, tanto quanto conheço do modo como a CML muitas vezes actua com os seus munícipes e, por outro lado, do que tenho visto cada vez mais serem as características típicas dos modernos socialistas portugueses, atrevo-me a pensar (embora sem poder acusar alguém em concreto) que a CML parece ter vindo a transformar-se numa considerável agência empregadora de socialistas (para lá trabalharem ou não) e, também, num campo onde parece ser cada vez mais frequente haver secções e departamentos onde se pervertem, ou até corrompem, as funções técnicas e sociais que, estatutariamente, era suposto aí serem desempenhadas  – e sem que pareçam existir, ou funcionar, mecanismos de escrutínio, controle e eventual acusação suficientemente dissuasores das más práticas.

Repito aqui, para terminar, o que afirmei no início: não tenho, nem ninguém parece ter, meios que permitam concluir se as impressões atrás referidas correspondem ou não à realidade. Trata-se tão só, a meu ver, de todo um quadro de probabilidades altamente plausíveis de serem, em muitos casos, as mais verdadeiras. E que, também a meu ver, justificariam sem dúvida uma análise objectiva detalhada, e se possível quantificada, a ser obviamente realizada por quem de direito.

Num país em que, por exemplo, e a fazer fé nas notícias hoje publicadas sobre a fuga para o estrangeiro de um banqueiro que fora condenado a prisão, é naturalíssimo e também lícito que os cidadãos comuns se sintam cada vez mais desconfiados e descrentes de um Estado que parece tudo fazer para mostrar que não funciona como pessoa de bem – a não ser nos casos em que a isso é obrigado.