As finanças são ‘quem mais ordena’

1.As discussões, mais aparentes que reais, entre o Governo e os partidos de esquerda para a aprovação do OE 2022 continuam a ser notícia. Cada um faz o seu papel, o Governo afirmando que privilegia o crescimento e o equilíbrio orçamental (pese o défice previsto de 3,2%), o PCP não tendo qualquer pejo em utilizar…

1.As discussões, mais aparentes que reais, entre o Governo e os partidos de esquerda para a aprovação do OE 2022 continuam a ser notícia. Cada um faz o seu papel, o Governo afirmando que privilegia o crescimento e o equilíbrio orçamental (pese o défice previsto de 3,2%), o PCP não tendo qualquer pejo em utilizar os sindicatos para reivindicar na rua aumentos de salários e revisão de carreiras e o Bloco, esforçando-se por parecer o verdadeiro defensor dos trabalhadores, lá vai clamando contra a precariedade laboral e baixos salários.

De forma surpreendente, apareceu esta semana Mário Centeno (com todo o peso institucional de governador do BdP). Na conferência de imprensa, referiu algumas verdades ‘duras como punhos’: «Alterações [à legislação laboral] não beneficiarão a recuperação, tendo ainda alertado que «a pressão da despesa corrente deverá ser absorvida no futuro para que o seu peso na atividade económica retome a trajetória de 2019, dado refletir (retirando todos os efeitos das medidas covid, ‘one-offs’, e tudo o que é financiado por fundos europeus) um rácio da despesa primária corrente no PIB que será, no final deste ano, 1,8% superior ao de 2019».

Todos sabemos que o OE 2022 já está aprovado, tal o pavor de eleições por parte da esquerda depois do desastre autárquico, sobretudo nas capitais de distrito. Mas não deixa de ser significativo ver Centeno a dar uma mão ao Governo, colocando ‘gelo’ nas reivindicações dos partidos de esquerda, certamente feliz de já não ser ministro das Finanças.

2.No Hospital de Setúbal demitiram-se 87 (dos 90) médicos-diretores, depois de alguns dos seus líderes terem há dias igualmente apresentado a demissão. Nesta sequência de acontecimentos, as entrevistas sucedem-se e não se torna difícil concluir que as razões apresentadas são ponderosas e há muito que se deviam ter ouvido os alertas.

País dos bons costumes, não é vulgar verem-se atitudes desta natureza. Somos um povo muito dócil, os governantes acham que tudo podem adiar. Esse grito de revolta e, sobretudo, os relatos ouvidos, vêm demonstrar que algo vai mesmo muito mal no SNS e que a pandemia tem ocultado, ficando o Zé Povinho com a certeza de que o problema não se confina a Setúbal, mas a um conjunto muito vasto de hospitais públicos com graves lacunas operacionais, sem que o Ministério da Saúde atue concertadamente para resolver estes problemas. Teremos de chamar de novo Gouveia e Melo?

3. Esta semana, no Parlamento, decorreu o primeiro debate político desta legislatura que, pela relevância das matérias discutidas, pela forma acalorada como decorreu, com intervenções de vários intervenientes com acrescido interesse, reiterou uma certeza que tinha por adquirida: estes debates devem voltar a ser quinzenais, como o foram desde 2008 a 2020. 

Curiosamente, há que salientar que, entre os presentes, Rio marcou claramente pontos como líder de oposição, sobretudo ao colocar em discussão, num tom altamente mordaz, os casos da TAP e da Autoridade Tributária/EDP. Ao invés, Costa, pareceu por vezes surpreendido nalgumas matérias e até respondeu com lateralidades, quiçá ainda afetado pelas eleições autárquicas. 

Será que o recente resultado eleitoral e a certeza de ter oposição na disputa pela liderança interna, deram nova vida a Rio?

4. Hoje o Benfica vai a eleições e certamente irá escolher Rui Costa que representa a continuidade da gestão anterior, conforme se pode constatar pela permanência na sua lista da maioria dos elementos com ele eleitos em 2020 e em que os novos, em momento algum foram conhecidos como opositores de Luís Filipe Vieira (LFV). 
Como alguns já disseram, Rui Costa irá ganhar por ‘falta de comparência’ da oposição. Noronha Lopes (34,7% em 2020) não concorre, Gomes da Silva (1,6%) sentiu-se esmagado no último resultado eleitoral e sobrou Benitez para hastear a bandeira da oposição ao incumbente. 

Uma tarefa altamente difícil, dado ter de lutar contra uma estrutura altamente profissional que antes serviu a LFV e agora serve um Rui Costa, ‘delfim de LFV’, liderante no campeonato e a fazer excelente figura na Champions. Também por isso, saúde-se a iniciativa de Benitez, porque o seu voluntarismo implicou que se debatesse o Benfica, algo que não víamos há cerca de 20 anos. 

Os próximos tempos não serão nada fáceis porque a direção a eleger terá a responsabilidade de (i) assegurar que a parte financeira se manterá equilibrada, crucial para manter a competitividade das equipas profissionais nestes cenários de incerteza social e macroeconómica ainda afetados pela covid, e (ii) defender o grupo Benfica nas frentes judiciais que se avizinham. 

Uma palavra final para um Grupo (BBM) a que pertenci, na crença de se posicionar para ir a eleições. Nascendo como ‘alternativa’, teve um evento de grande qualidade em que se discutiram e apresentaram ideias para o futuro do Benfica. No entanto, após elaborar um (excelente) programa eleitoral, os seus fundadores optaram por se juntar a Rui Costa (que integrou 4 dos seus elementos) e assim se perdeu uma oportunidade irrepetível de, indo a eleições, se enriquecer o debate, apresentando e defendendo as ideias e o programa do BBM.

P.S. – Faleceu o Padre Feytor Pinto. Personagem fascinante e cativadora, «foi um dos enormes vultos, das personalidades na Igreja Católica que mais acompanhou a viragem social da igreja do passado para a nova mensagem do Vaticano II» como muito bem referiu Marcelo. Paz à sua alma!