Paulo Núncio: “O aumento da despesa pública é o principal inimigo dos contribuintes”

O centrista e antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do Governo PSD/CDS frisa que ‘sempre que a despesa pública aumentar, os contribuintes pagarão, agora ou no futuro, mais impostos’.

Paulo Núncio: “O aumento da despesa pública é o principal inimigo dos contribuintes”

Apesar de garantir que a proposta de Orçamento do Estado não é aquela de que o país precisa, Paulo Núncio acredita que será aprovada «com mais ou menos espetáculo de televisão ou com mais ou menos encenação», tal como tem acontecido nos anteriores. O centrista critica as declarações do ministro das Finanças, ao afirmar que «sem contas certas não há futuro», defendendo que «com estas contas e com este aumento brutal da despesa pública e da dívida pública, Portugal não tem futuro, porque prejudicam fortemente as possibilidades de o país crescer». O ex-secretário de Estado do Governo que privatizou a TAP condena a decisão de António Costa em reverter o processo e garante que «a partir do momento em que o Governo nacionalizou a TAP trouxe novamente para o Estado a responsabilidade de capitalizar a empresa». O responsável mostra-se ainda pouco otimista em relação ao desdobramento dos escalões de IRS, considerando que «é manifestamente pouco face aos anúncios que foram apresentados e recorda que atualmente é um imposto altamente progressivo, em que cerca de 16% das famílias com mais rendimentos já suportam 65% do valor total do IRS cobrado. Apoiante de Nuno Melo à liderança do CDS, Paulo Núncio diz que o eurodeputado é a pessoa certa para mobilizar o partido e fazer coligações com o PSD para voltar à governação. 

O que acha da proposta do Orçamento de Estado para 2022?

Em primeiro lugar, a proposta do Orçamento de Estado apresentada demonstra, uma vez mais, que a esquerda é geneticamente incapaz de gerar prosperidade económica. Foi sempre assim no passado e infelizmente continua a ser assim. Está no ADN da esquerda. As estimativas apontam para que Portugal, nos próximos anos, em termos de PIB per capita, seja ultrapassado por países como a Polónia, a Hungria, a Roménia, a Letónia e a Eslováquia. E, nesse sentido, este Orçamento é mais um passo numa trajetória lenta de empobrecimento do país face aos seus congéneres europeus. Não é o Orçamento de que o país precisa. Por outro lado, nos últimos 26 anos, o PS governou 19, ou seja, 75% do tempo. O centro-direita, através de coligações PSD-CDS, apenas governou sete anos e numa situação de bancarrota e, por isso, o empobrecimento relativo do país é um marca da governação de esquerda dos últimos 19 anos. Em segundo lugar, a proposta de Orçamento do Estado também vem demonstrar, uma vez mais, que um Governo de esquerda significa mais despesa pública, mais dívida pública e consequentemente uma carga fiscal elevadíssima. Mais uma vez, está no ADN da esquerda. 

Disse recentemente que a dívida pública subiu nos últimos anos quase tanto quanto a ajuda financeira de 78 mil milhões…

Este Orçamento do Estado é preocupante, porque a despesa pública e a dívida pública crescem para níveis avassaladores e Portugal não consegue aguentar este nível de despesa e de endividamento. Em termos de despesa, em 2022, de acordo com as previsões do Governo, atingirá pela primeira vez os 105 mil milhões de euros. Cresce 25 mil milhões de euros face à que existia em 2014 com o fim do programa de ajustamento. E só nos últimos três anos a despesa pública primária cresceu 14 mil milhões de euros.

Para um país empobrecido é um aumento quase insustentável…

É um aumento brutal da despesa pública nos últimos anos em Portugal e dirão alguns: ‘Esta despesa pública está muito relacionada com a covid-19, é excecional, temporária e, por isso, não haverá problema’. Infelizmente, isso não é verdade, porque o Governo para 2022 apresenta o documento como um Orçamento da recuperação, pós-covid e, no entanto, a despesa pública não recua como seria normal, ainda cresce em 2022 face a 2021. Ou seja, a despesa pública relacionada com a covid, que supostamente era temporária e excecional, perpetua-se, consolida-se e em 2022 ainda cresce mais. Como? Desde logo, porque o Governo decide aumentar duas vezes as pensões, reforçar as prestações sociais, aumentar a massa salarial da Função Pública em 3% e decide fazer transferências de muitos milhares de milhões de euros para empresas públicas. E, por isso, a despesa pública cresce de uma forma avassaladora, brutal e Portugal não está preparado nesta fase para estes aumentos. E o aumento da despesa pública é o principal inimigo dos contribuintes. Sempre que a despesa pública aumentar, os contribuintes pagarão, agora ou no futuro, mais impostos. Não há volta a dar. Por outro lado, os números da dívida são ainda mais avassaladores do que em 2014, quando acabou o programa de ajustamento com a troika. Já a dívida, de acordo com as previsões do Governo, em termos brutos vai chegar a 290 mil milhões de euros em 2022. Ou seja, mais 65 mil milhões de euros que a dívida que existia – e 65 mil milhões são quase o mesmo montante do empréstimo da troika que o país teve que contrair para fazer face à bancarrota que foi deixada pelo anterior Governo socialista. 

Estamos perante a ameaça de pedir nova ajuda financeira?

A situação só não é mais dramática já, em 2022, porque o Banco Central Europeu continua a ter uma política monetária muito generosa que garante juros artificialmente baixos. Ou seja, temos uma situação em Portugal em que não obstante o aumento exponencial da dívida pública em termos brutos, os juros pagos pelo Estado anualmente reduzem-se face aos juros que se pagavam em 2014 e em 2015. 

É um balão de oxigénio…

Não nos iludamos. Esta situação existe exclusivamente por causa da política monetária do Banco Central Europeu. No dia em que o BCE for obrigado a rever a política monetária, como já está a acontecer com o FED nos Estados Unidos, designadamente para responder a pressões inflacionistas, Portugal ficará outra vez numa situação delicadíssima perante os mercados internacionais. 

Foi secretário de Estado num Governo PSD/CDS em o país foi alvo da ajuda financeira da troika. Vivemos assombrados por esta ameaça?

Este Governo tem conseguido de alguma forma anestesiar a população em geral, procurando dar a entender que está tudo bem e que não há problemas. Acho que tenho obrigação, assim como outras pessoas que têm alguma ligação às finanças públicas, de alertar que há sinais preocupantes e que temos de mudar de rumo rapidamente para que o país não caia novamente numa situação de necessidade de pedir ajuda externa. Não estou a dizer que essa situação de emergência ocorra amanhã, daqui a um ou dois anos, estou simplesmente a dizer quer o rumo que tem sido seguido nos últimos seis anos é perigoso, está a aumentar os riscos e está a criar condições para que o país, no dia em que deixar de contar com a política monetária do BCE e com os juros artificialmente baixos, não fique numa situação delicada perante os mercados. 

Muitas das medidas sociais apresentadas na proposta é também para contentar os partidos de esquerda…

Admito que sim, mas do meu ponto de vista como o país está não aguenta este tipo de medidas. Este tipo de propostas não representam as medidas que deviam estar a ser adotadas neste momento para que o país tenha bases sólidas para crescer economicamente e para não continuar na trajetória lenta de empobrecimento relativo.

E mais uma vez carrega nos impostos indiretos, conhecidos com as taxas e taxinhas…

A carga fiscal está a níveis elevadíssimos e enquanto a despesa pública continuar a crescer a níveis brutais, como tem crescido nos últimos anos, a carga fiscal continuará altíssima. 

E também reflete um Estado muito pesado…

Um Estado pesadíssimo. Um Estado que se deveria modernizar, flexibilizar, tornar-se mais digital, mais próximo das populações. Um Estado que, no fundo, deveria funcionar melhor, com menos dinheiro e com menos pessoas e o que vemos é exatamente o contrário. É um Estado que todos os anos cresce em termos de dimensão, de massa salarial e em número de efetivos. Hoje, o Estado já tem mais efetivos do que tinha em 2009 e 2010, quando o país teve de pedir ajuda externa. O caminho deveria ser reduzir o peso do Estado na economia, libertar recursos para que as empresas pudessem crescer e pudessem ajudar a prosperar economicamente e a crescer, tanto ou mais, como os países de Leste que estão em risco de ultrapassar Portugal. E o caminho não tem sido esse. São marcas da governação de esquerda que ficam e que prejudicam o crescimento e o desenvolvimento de um país. 

Algumas das medidas, como a digitalização, estão contempladas no PRR…

Sim. Mas são medidas muito superficiais e o que vimos é um Estado a engordar, cada vez maior e que cria dependências. É um estado cada vez mais tutelar, que não liberta a sociedade civil e a iniciativa privada para fazer crescer o país. E essa é uma marca fundamental desta governação socialista dos últimos 19 anos. 

Por outro lado, a proposta de Orçamento prevê fortes injeções em empresas como a TAP e a CP… 

Há pessoas que dizem que as empresas neste Orçamento foram esquecidas, diria que há pelo menos duas empresas que não foram esquecidas neste Orçamento, que são a TAP e a CP, que vão receber durante 2022 injeções que ultrapassam os 2,8 mil milhões de euros. São estas empresas as grandes ganhadoras deste Orçamento. Quem são os perdedores? Os contribuintes que terão de suportar mais este aumento de despesa pública. Já que estamos a falar de empresas, uma das razões por que a esquerda é incapaz de gerar propriedade é porque continua numa atitude de desconfiança face à liberdade económica, à iniciativa privada e continua com complexos ideológicos face às empresas, designadamente às de maior dimensão. No entanto, sem empresas privadas robustas não há crescimento económico possível. E vimos duas marcas nesta proposta de Orçamento que são marcas desse complexo ideológico contra as empresas: a primeira é a manutenção da taxa máxima de IRC em 31,5%. Portugal é hoje o país da União Europeia com a taxa de IRC mais elevada, ultrapassamos a França este ano e o Governo decide manter esta carga elevadíssima sobre as empresas, ignorando o acordo alcançado em 2013 entre o PSD, o PS e o CDS que previa a redução gradual da taxa de IRC. E, ao manter esta taxa elevadíssima sobre as empresas, o Governo está a penalizar as empresas portuguesas que concorrem com as outras empresas europeias no mercado global e que pagam uma taxa de IRC muito mais baixa. A segunda marca deste complexo ideológico contra as empresas pode ver-se no novo incentivo fiscal de recuperação. 

Como vê essa medida?

É uma boa medida. É calcada do supercrédito fiscal de 2013 que teve resultados muito positivos na recuperação do investimento nesse ano. O que me preocupa são os constrangimentos que estão previstos na proposta do Orçamento de Estado relacionadas com o incentivo que criam um conjunto de limitações económicas e empresariais, desde logo, as empresas para aderirem a este novo incentivo não podem fazer cessar contratos de trabalho, nem distribuir dividendos aos acionistas, nem aos sócios durante três anos. 

E exige também um montante de investimento…

Sim, mas nesse aspeto até acho que a medida está bem calibrada. O meu ponto é que estes constrangimentos, além de contraditórios, porque uma empresa que faz um investimento em automação, inovação e tecnologia provavelmente precisará de menos mão-de-obra do que quando antes do investimento, caso contrário o investimento não produz os efeitos desejados. Mas, além de contraditórios, essas limitações são contraproducentes, porque, na prática, acabarão por afastar as empresas desse incentivo e quem perde é Portugal, porque terá menos investimento empresarial, nesta altura decisiva de recuperação.

A proibição de entrega de dividendos poderá afastar as empresas de recorrer a esta medida?

É o tal complexo face às empresas porque a posição do Governo de esquerda é de desconfiança e este tipo de medidas tendem a limitar a liberdade económica, a iniciativa privada. No fundo, a medida é positiva, mas na prática haverá muitas empresas que não irão beneficiar por causa destes constrangimentos.

João Leão fala na necessidade de haver ‘contas certas’ e acenou com um documento ‘bom para Portugal e para os portugueses’…

Diria que Portugal precisa de um Orçamento bastante diferente, com estímulos sérios à recuperação, que apoiasse as empresas e reduzisse o peso do Estado na economia. Ouvi o ministro das Finanças dizer que ‘sem contas certas não há futuro’, diria que com estas contas e com este aumento brutal da despesa pública e da dívida pública, Portugal não tem futuro, porque estes níveis excessivos de despesa e de dívida prejudicam fortemente as possibilidades de o país crescer. E se o país não crescer significativamente continuará na trajetória lenta de empobrecimento relativo e corremos o risco daqui a uns anos, se continuarmos com este tipo de políticas, de Portugal estar na cauda de riqueza per capita ao nível da UE.

Em relação à TAP. O Governo PSD/CDS privatizou a empresa, mas o Governo socialista reverteu o processo. Estas injeções de capital teriam sido evitadas se não tivéssemos assistido a essa mudança?

Penso que sim. A partir do momento em que o Governo nacionalizou a empresa trouxe novamente para o Estado a responsabilidade de capitalizar a empresa. Na esfera privada, essa responsabilidade seria dos privados e não dos contribuintes.

E, em relação aos portugueses, acredita que haverá um verdadeiro alívio da carga fiscal com as alterações dos escalões de IRS?

Com este nível de despesa pública e de endividamento qualquer anúncio de alívio fiscal ou de redução fiscal tem um impacto muitíssimo pouco significativo no bolso dos portugueses. O ministro das Finanças anunciou que o desdobramento dos escalões teria um impacto de 150 milhões de euros, mas, pelas previsões do Governo, a receita de IRS para 2022 ascenderá a 14.300 milhões de euros, ou seja, com o desdobramento dos escalões, o Estado vai prescindir de apenas 1% da receita total do IRS, o que é manifestamente pouco face aos anúncios que foram apresentados. E, relativamente ao desdobramento, a medida tem sido apresentada como uma medida supostamente de reforço da progressividade e de maior justiça fiscal, mas é bom nestas matérias clarificar que o IRS já é hoje um imposto altamente progressivo, em que cerca de 16% das famílias com mais rendimentos já suportam 65% do valor total do IRS cobrado, em que 44% das famílias com menos rendimentos não pagam qualquer IRS, embora usufruam de todos os serviços públicos também financiados pelo IRS. E, por isso, entendamos que o IRS já é hoje um imposto altamente progressivo, mesmo face a padrões europeus. Por outro lado, com a criação destes novos escalões, Portugal passará a ter na prática 11 escalões: nove das taxas gerais e mais duas das taxas de solidariedade, o que significa que Portugal passará a ser o recordista dos escalões da União Europeia. E esta situação de 11 escalões é uma situação que penalizará no futuro pequenos acréscimos de rendimentos das famílias. E dessa forma vai desincentivar o esforço, o mérito e o trabalho. Numa situação de 11 escalões e todos eles de dimensão reduzida, qualquer pequeno acréscimo de rendimento de uma família, por exemplo, através de uma progressão profissional, levará automaticamente a que essa família passe de escalão e passe a ser sujeito a uma taxa de IRS agravada. Na minha perspetiva e, ao contrário do que tem sido a política fiscal dos últimos tempos, devíamos estar a trabalhar num IRS com poucos escalões, como acontece na esmagadora maioria dos países da União Europeia, com taxas muito mais reduzidas do que as atuais, permitindo assim que os acréscimos de rendimento das famílias possam beneficiar da mesma taxa e não serem penalizados, passando para um escalão superior e pagando uma taxa mais elevada. 

Se os trabalhadores forem aumentados correm o risco de subir de escalão de IRS? 

Esse é o risco, ou seja, com um sistema com muitos escalões qualquer pequeno acréscimo de rendimento poderá originar uma passagem para o escalão superior e, por isso, um escalão com muitos escalões como aquele que vamos ter em resultado desta proposta de Orçamento se vier a ser aprovada é um IRS que penalizará o esforço, o mérito e o trabalho das pessoas.

E ainda vai penalizar no caso do englobamento e das mais-valias…

O englobamento é claramente uma medida de agravamento fiscal e significativo, porque os contribuintes que obtenham esse tipo de rendimentos poderão pagar uma taxa máxima de 53% quando agora estão a pagar uma taxa de 28%. Mas, neste momento, o que o Governo apresentou abrange apenas as mais-valias mobiliárias detidas há menos de um ano. Vamos ver como vão evoluir as negociações com os partidos de esquerda. Mas, para já, representa um agravamento fiscal para muitos contribuintes. Por outro lado, é importante notar que esta medida de englobamento demonstra uma certa descoordenação entre o Governo, porque, por um lado, temos o ministro da Economia e bem a defender medidas de capitalização das empresas, designadamente através dos capitais próprios dos sócios ou acionistas e, por outro lado, no mesmo Governo, temos o ministro das Finanças a penalizar fiscalmente os investidores que poderiam contribuir para a capitalização das empresas, designadamente através do mercado de capitais. Acresce que esta medida de englobamento vai penalizar a poupança -– e todos sabemos que continua com níveis muito reduzidos –, vai criar incerteza fiscal e nessa perspetiva vai afastar ainda mais os investidores do mercado português, quando neste momento o que precisamos é de de confiança para o investimento.

Acredita que vamos assistir a uma crise política?

Não estou na cabeça dos líderes de esquerda e, por isso, não sei efetivamente o que vai acontecer. A minha convicção continua a ser que o Orçamento acabará por ser viabilizado com mais ou menos espetáculo de televisão ou com mais ou menos encenação. Foi assim nos últimos seis anos. Mas, se não vier a ser viabilizado e se por causa dessa não viabilização o país entrar numa crise política, acho que há conclusões que deveriam ser tiradas. Desde logo, a existir um crise política, a responsabilidade seria integralmente dos partidos de esquerda que estão neste momento na esfera do poder e são responsáveis pela viabilização dos orçamentos, como aconteceu nos últimos seis anos. Depois, se o Orçamento não vier a ser viabilizado e tivermos uma crise política, isso seria o colapso da ‘geringonça’. Seria o fim desta frente comum de esquerda na governação. Depois, se viermos a ter uma crise política, viria a confirmar aquela tese de que a esquerda fatura-se perante situações difíceis. É relativamente fácil tomar decisões simpáticas em tempos de vacas gordas, mas é preciso coragem para tomar decisões difíceis, designadamente de redução de despesa e de endividamento em tempos exigentes. Se existir crise política, diria que todos os partidos de esquerda ficam muito mal vistos na fotografia. E, se houver eleições antecipadas, como o Presidente da República já teve a oportunidade de sinalizar, estou convencido de que os partidos de esquerda poderão ser fortemente penalizados nas urnas, porque os eleitores percebem que nesta fase o país não deveria enfrentar uma crise política e que esta era perfeitamente evitável. Com estas contas e com aumento brutal da despesa pública e da dívida pública, Portugal não tem futuro. Com estes níveis excessivos de despesa e de dívida prejudicam fortemente as possibilidades do país crescer e se o país não crescer significativamente continuará na trajetória lenta do empobrecimento relativo e corremos o risco de daqui a uns anos, se continuarmos com este tipo de políticas, Portugal estar na cauda na riqueza per capita ao nível da União Europeia.

E como vê as nove exigência do BE para aprovar o Orçamento?

O BE já nos habituou a apresentar propostas irresponsáveis e, muitas vezes, propostas que não são contabilizadas. E, por isso, o BE não surpreende ao apresentar esse tipo de propostas. São propostas, muitas delas, absolutamente incomportáveis e são apresentadas apenas por razões políticas, para satisfazer franjas do eleitorado. Espero que essas propostas possam ser contabilizadas e que seja possível analisar as consequências que as mesmas teriam em termos de aumento da despesa pública e aumento do endividamento do país. Surpreende-me sempre que o país esteja como está e depois ouvir as propostas dos partidos de esquerda, incluindo o PS, mas sobretudo do BE e do PCP, que vão sempre no sentido de aumentar a despesa pública. Volto ao princípio, o país está numa fase em que não aguenta estes aumentos brutais da despesa pública. Nos últimos 45 anos tivemos três situações de bancarrota. O país, depois de entrar no país democrático, já teve que pedir três vezes ajuda externa e parece que os partidos de esquerda ainda não perceberam essas lições e, por isso, continuam a apresentar propostas de aumentos de despesa pública como se não houvesse amanhã. Isso demonstra uma enorme imaturidade e uma enorme irresponsabilidade.

Tanto que a maioria das propostas representam custos acrescidos…

São medidas que, algumas delas, têm um impacto muito significativo na despesa, no endividamento público e, por isso, na minha perspetiva são medidas irresponsáveis, que colocariam o país numa situação ainda mais delicada do que já se encontra hoje.

Outro problema que o Governo tem em mãos diz respeito ao aumento dos preços dos combustíveis. Como vê esta situação?

É uma crise que veio para ficar. Está agora a começar, mas irá prolongar-se para além da primavera do próximo ano. Confesso que não tenho percebido bem a posição do Governo, porque, por um lado, ouço o ministro da Economia dizer que o Governo em circunstância alguma irá mudar a sua política fiscal em relação aos combustíveis e, depois, vejo o Governo dois ou três dias passados a tomar uma posição diferente, embora com consequências muitíssimo limitadas. Parece-me que há aqui alguma descoordenação do Governo na resposta a esta situação.

Foi promulgado um diploma em relação às margens das gasolineiras…

Parece-me que é o caminho errado para resolver esta questão. As margens dos revendedores representam apenas 7% do valor que é pago por cada consumidor quando abastece o seu automóvel. Os impostos representam 60% e, muito mais do que interferir, uma vez mais, na vida das empresas, o Governo tinha a obrigação de aliviar o ISP e isso, enquanto a crise durar, representaria um alívio no preço que os consumidores pagam quando abastecem os seus carros. Aliás, o Governo tinha apenas de seguir a doutrina que criou nesta matéria. Recordo que, em 2016, quando o Governo criou o adicional do ISP, este era provisório, era uma espécie de sobretaxa de ISP e definiu à partida um princípio que chamou de ‘neutralidade’: sempre que o valor do crude nos mercados internacionais baixasse, o adicional podia subir, sempre que o valor do crude subisse, o ISP desceria para manter uma estabilidade dos preços aos consumidores. Segundo as notícias, o preço da gasolina e do gasóleo subiu mais de 30 vezes este ano, com a gasolina a ultrapassar os dois euros por litro há uma semana ou duas. Então onde é que está o princípio da neutralidade? O Governo já devia ter interferido e não é com um cêntimo ou dois. Tinha de ser com uma redução significativa. Este era o momento em que o Governo poderia equacionar a suspensão total ou parcial da sobretaxa do imposto que foi criada em 2016 e, neste momento, onera muito os consumidores. 

O ISP também é importante em termos de receitas fiscais…

O ISP representou em 2020 cerca de 3.400 milhões de euros. É bom que as pessoas tenham noção que o ISP é hoje o quarto imposto em termos de receitas fiscais para o Estado, depois do IVA, do IRS e do IRC. Portanto, isto significa um valor muito significativo e o Governo através do adicional aumentou o ISP que, muitas vezes, serve para compensar as anunciadas reduções ou alívios fiscais nos impostos diretos. Está na altura, depois de o Governo ter criado esta sobretaxa sobre o ISP, de equacionar a suspensão total ou parcial desse adicional de forma a ajudar os contribuintes nesta fase. A situação tende a ser muito complicada e, ainda por cima, tendo em conta o inverno que temos pela frente. 

E os efeitos que tem em outras atividades…

O combustível é um custo que, se aumentar significativamente, pode pôr em causa a trajetória de recuperação de muitas empresas. Vimos de uma crise muito complicada, resultante da pandemia, neste momento, as empresas precisam de crescer. E, crescendo, as empresas ajudam também o país a recuperar. Se as empresas têm dificuldades porque têm um aumento muito significativo dos custos, designadamente com os custos relacionados com os transportes, isso poderá pôr em causa a recuperação que é tão necessária para o país. A própria atividade económica pode ser fortemente penalizada com esta crise energética.

Disse que um cenário de eleições antecipadas significa o colapso da ‘gerigonça’. Os partidos de direita estão mobilizados para eleições?

Quer o PSD, quer o CDS estão em fase de clarificação. Em ambos os partidos prevê-se congressos ou diretas para clarificar e são os militantes a definir o rumo que pretendem para esses partidos. As sondagens indicam que quer o PSD quer o CDS, com as atuais lideranças, apresentam valores bastante reduzidos em termos de votações e isso é um sinal preocupante. O país precisa de uma alternativa séria e consistente de direita e centro-direita para responder ao Governo de esquerda que dos últimos seis anos. 

Isso implica a mudança de liderança dos dois partidos?

Sobre o PSD não me vou pronunciar, mas relativamente ao CDS considero que Nuno Melo é a pessoa certa para liderar e, por isso, irei apoiá-lo no próximo congresso. É a pessoa certa para unir, para reconstruir e para transformar o CDS de novo numa referência da direita portuguesa e sobretudo num partido que seja simultaneamente popular, mas também seja um partido de quadros e que seja essencial numa futura solução governativa de solução de centro-direita. Considero que Nuno Melo tem essas capacidades e essas características de unir, de reconstruir e de transformar e que saberá liderar o CDS, se ganhar o congresso, destes novos tempos. O CDS precisa urgentemente de de se afirmar como um partido de referência da direita portuguesa, um partido credível, que tenha quadros que respondam por políticas setoriais, mas, ao mesmo tempo, um partido popular. Um partido próximo das massas, que tenha votos e que tenha peso eleitoral, porque só assim é que o CDS, com o seu peso próprio, com a sua capacidade, com as suas bandeiras e com a sua agenda poderá ambicionar a ser novamente uma parte fundamental numa futura solução governativa de centro-direita. 

E afastar os movimentos populistas?

Revejo-me nos valores que são defendidos por Nuno Melo. Conservador nos costumes, liberal na economia e democrata-cristão nas questões sociais. Por outro lado, é importante que o partido saia desde congresso unido e acho que Nuno Melo é a pessoa certa para unir o partido, as várias estruturas, o grupo parlamentar e conseguir que o CDS fale numa só voz. 

E para ganhar maior peso…

Estou convencido que o CDS tem todas as condições para conseguir recuperar o peso que já teve e voltar a ter um grupo parlamentar coeso, forte e que possa contribuir para uma solução maioritária de centro de direita no futuro. Temos tido o PSD como parceiro natural de coligação e é natural que seja possível falar novamente com o PSD, mas primeiro é preciso que o CDS ganhe outra vez força, que se organize e que volte a ter relevância em termos eleitorais. 

E num cenário de o centro-direita ganhar eleições poderá encontrar o país novamente em bancarrota?

Isso tem sido uma sina dos últimos tempos. Ou seja, em que um Governo de centro-direita teve de aplicar um programa de ajustamento que resultou de uma bancarrota que foi criada pelo anterior Governo socialista. Espero que isso não venha a acontecer e que o centro-direita quando voltar ao poder possa governar de acordo com o seu próprio programa e que possa pôr em prática um conjunto de medidas que permitam uma redução do peso do Estado na economia, que dê estímulos às empresas e à recuperação económica de forma a que Portugal, por um lado, consiga reduzir a despesa pública e o endividamento e, por outro lado, crie condições para terminar de vez com esta trajetória de empobrecimento relativo que tem tido nos últimos tempos. 

Enquanto secretário de Estado foi responsável pela criação do Sorteio do Fisco. Acha que contribuiu para combater a fraude e a evasão fiscal? 

Disso não tenho dúvidas. Esse sorteio determinou, juntamente com outras medidas de combate à fraude e à evasão fiscal, que o número de faturas emitidas pelas empresas tivesse aumentado significativamente e, por outro lado, que os consumidores finais tivessem passado por regra a pedir fatura com número de contribuinte. Isso foi decisivo para combater a fraude fiscal, a concorrência desleal que existia muitas vezes entre empresas que declaravam e outras que não declaravam. E teve também como consequência um aumento muito significativo da receita do IVA e do IRC em virtude desse maior cumprimento por parte das empresas. Foi uma medida que foi pensada, planeada no âmbito de uma estratégia de combate à fraude e à evasão fiscal e que produziu os seus resultados.

O sorteio de Certificados de Aforro é menos atrativo?

Cada Governo tem legitimidade para optar e para alterar os programas. Não me choca que tenha havido essa alteração. Sei que muitas das medidas que foram concretizadas no tempo enquanto estivemos no Governo se mantêm em vigor e continuam a produzir efeitos. Mas acredito que é possível ir mais longe e aproveitar mais o e-fafura e desenvolvê-lo de forma mais avançada de forma a que produza ainda mais efeitos em termos de combate à fraude e à evasão fiscal. É importante que as medidas não sejam abandonadas simplesmente porque houve uma mudança do Governo. Mas seria importante avançar para um e-fatura 2.0, ou seja, para uma nova fase em que o sistema e-fatura pudesse ter ainda mais eficácia.

Mas outras medidas como o IVAucher tiveram menos sucesso…

Considero a medida positiva, porque foi criada no sentido de ajudar um conjunto de setores que foram muito penalizados com a pandemia. De acordo com os números que vieram a público, os valores que estavam inicialmente previstos não foram atingidos, mas não significa que só por isso a medida seja negativa. Se calhar seria desejável estender o IVAucher em 2022, porque estes setores abrangidos vão continuar a precisar de ajuda.