A dissolução de um (mau) parêntesis…

Ao dissolver o Parlamento, antes mesmo de esgotar todos os procedimentos necessários  e de ouvir o Conselho de Estado, o PR pôs ‘os carros à frente dos bois’…

Pertence ao segredo dos deuses o que cada partido congeminou, à esquerda e à direita, até ser ‘chumbado’ o Orçamento de Estado, algo inédito em democracia.

Um ‘feito’, portanto, que colocou Marcelo Rebelo de Sousa no epicentro da crise política, depois de se ter desdobrado em pressões e manobras de bastidores, em ‘contramão’ com a posição de árbitro que se espera, constitucionalmente, do Presidente da República, como garante do «regular funcionamento das instituições democráticas».

Ao dissolver o Parlamento, cumprindo a pouco velada ameaça feita aos partidos – antes mesmo de esgotar todos os procedimentos necessários e de ouvir o Conselho de Estado –, o Presidente pôs ‘os carros à frente dos bois’, uma expressão popular bem certeira neste caso.

À primeira vista, a dissolução confirmada parece corresponder ao quadro mais favorável às ambições de António Costa e do PS. 

De facto, com a crise política, o primeiro-ministro livrou-se do berbicacho de ter de remodelar o Governo, substituindo várias peças do um xadrez seriamente desgastado e soltou-se das ‘amarras’ à esquerda, fazendo recair nos ex-parceiros da ‘geringonça’ a fatura pela inviabilização do Orçamento. 

Era difícil conseguir melhor. Digamos que Costa percebeu há muito que tinha vários sarilhos à espreita, cuja resolução exigia dele determinação para ’cortar a direito’ e afastar alguns ‘ajudantes’ comprovadamente incompetentes. Nestas condições, quanto mais durasse a usura do governo, mais comprometia o futuro.

A antecipação de eleições era, assim, «um mal menor», dissimuladamente, desejado. E, de certo modo, uma tentação também para o PCP e o Bloco, recuperando o protesto nas ruas e nos media. 

Reconheça-se que Costa, quando negou qualquer abertura a um entendimento com o PSD, ficando supostamente refém das esquerdas radicais, não estava apenas a eliminar ‘pontes’ à direita, mas a entregar-se a um exercício de calculismo eleitoral, onde o país real era o que menos contava. 

Consumado o ‘chumbo’ orçamental e a dissolução do Parlamento, os cenários agora são outros. Após uma parceria contranatura – menos para Pedro Nuno Santos que, à revelia do chefe do Governo, advertiu que a ‘geringonça’ não foi um parêntesis – o PS tudo fará para realçar as vantagens do voto útil, invocando a seu favor o não ter ‘abandonado o barco’ para preservar a estabilidade governativa.

Em campanha desde já, o ‘estado-maior’ socialista não deixará cair em ‘saco roto’ o reboliço que vai pelas fileiras das direitas, do PSD ao CDS.

São crises cíclicas. Basta recordar qual era o ‘painel de bordo’, em finais de novembro de 2004, quando Jorge Sampaio, confrontado com o Governo ‘rocambolesco’ de Santana Lopes, ‘herdeiro’ de Durão Barroso, resolveu dissolver a Assembleia da República, apesar de haver uma maioria parlamentar.

Sampaio foi sofisticado. Consentiu um Santana errático durante quatro meses, contra a vontade de Ferro Rodrigues, que se demitiria da liderança do PS, por considerar a estratégia presidencial – sem a compreender – «uma derrota pessoal e política».

No fundo, Sampaio pretendia apenas ganhar tempo – e empolar os erros da coligação PSD – CDS – até convocar as eleições que dariam a maioria absoluta a José Sócrates, com os resultados desastrosos que se conhecem.

Novembro parece ser, assim, um mês propicio para acionar a ‘bazuca’ presidencial, em benefício de uma esquerda socialista confiada na sua ‘boa estrela’.

Marcadas as Legislativas para a data que Marcelo escolheu, no uso das suas prerrogativas, cada partido, à esquerda e à direita, precisa de preparar-se, em contrarrelógio, para enfrentar o novo ciclo político resultante do ‘chumbo’ do Orçamento. Exceto o PS, que já está na estrada… em alta velocidade.

Cáustico, Paulo Rangel admite que «passamos de democracia para uma sprintocracia». E tem razão. Sem tempo para ‘arrumar a casa’, o PSD e o CDS, com as lideranças em causa, alimentam a esperança das esquerdas de aproveitar a seu favor o bónus dessa instabilidade partidária. Com o PS na primeira fila… 

Depois, o PCP sabe que os partidos-irmãos se extinguiram na Europa, e, que, em França, os ‘súbditos’ comunistas desertaram, em boa parte, para as fileiras da senhora Le Pen. 

E o Bloco também sabe, que é um partido urbano, que vive muito do apoio mediático, sem quadros sindicais nem implantação nas autarquias, onde costuma ser humilhado. 

Finalmente, o PS pressente que a fragmentação à direita poderá ser a oportunidade perfeita para repetir uma votação maioritária. 

Neste contexto, se Costa perder ou obtiver apenas uma «vitória por poucochinho», bem poderá preparar-se para o ‘tilintar das espadas’ no Largo do Rato, desembainhadas às ordens de Pedro Nuno Santos, vingando pela esquerda António José Seguro. E ‘meter os papeis’ para a reforma…