O problema da falta de mão-de-obra não é novo, mas esta escassez ganha cada vez mais maiores dimensões à medida que a economia vai recuperando, afetando todos os setores, podendo mesmo dificultar o crescimento da economia nacional.
«A falta de mão-de-obra em vários setores continua a ser um problema e tem-se sentido sobretudo à medida que a economia começa a reabrir. É importante notar que ainda existem muitos apoios do Governo que não incentivam a procura de trabalho, apesar desses incentivos estarem a começar a ser reduzidos e a atual falta de mão-de-obra poderá ser atenuada», diz ao Nascer do SOL, o analista da XTB, Henrique Tomé.
E acrescenta: «É importante também notar que ainda existem setores que ainda não recuperaram desde a pandemia».
O Nascer do SOL sabe que a falta de mão-de-obra impediu, por exemplo, a Pousada Castelo de Estremoz de abrir portas. O nosso jornal tentou fazer uma reserva na unidade hoteleira e deram a indicação que só a partir de fevereiro do próximo ano é que poderão aceitar clientes, isso na melhor das hipóteses.
Fonte da unidade hoteleira garantiu que «atualmente, a Pousada Castelo de Estremoz só funciona para eventos previamente reservados, nomeadamente casamentos com restauração e a possibilidade de alojamento incluído ou não, devido à escassez de mão-de-obra».
Certo é que este não é um caso isolado. Também o grupo Vila Galé reconheceu que o setor da hotelaria tem perdido profissionais e, como tal, defende que agora vai ser um desafio reconquistá-los. «A situação [de falta de mão-de-obra] agravou-se por um conjunto de fatores.
Por um lado, pelos atrasos sucessivos no arranque da atividade, o que não ajuda ao planeamento. Temos uma atividade que varia entre taxas de ocupação de 10% a 15% e picos de 90%. Temos uma estrutura estável, mas depois necessitamos sempre de reforços sazonais», já veio afirmar o administrador Gonçalo Rebelo de Almeida.
E para combater esta escassez, o presidente do grupo garantiu que irá trazer 150 trabalhadores do Brasil. «Por incrível que pareça, pessoas que tínhamos a trabalhar connosco, com o início da pandemia, começaram a ficar muito preocupadas e foram trabalhar para outros ramos e nós na Vila Galé temos três frentes: a construção, a hotelaria e a agricultura. Em qualquer uma das três há hoje uma quebra tremenda de pessoal e é, por isso, que vamos dar formação e estamos a programar ir contratar no Brasil (…) Nós, embora numa escala muito menor, já fazemos esse intercâmbio», disse à Lusa, Jorge Rebelo de Almeida.
Restauração sofre do mesmo sufoco
Também a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) já veio pedir incentivos à contratação de profissionais e ao emprego no setor, alertando que a escassez de recursos humanos pode vir a ser «um travão à recuperação».
E a associação vai mais longe: «É fundamental que sejam criadas políticas de incentivo à contratação de profissionais e ao emprego nos nossos setores, para que a escassez de recursos humanos não constitua um travão à recuperação económica das nossas atividades».
No entanto, a AHRESP garante que este assunto tem estado em cima da mesa nos últimos meses, uma vez que garante que tem vindo a alertar «de forma constante para a problemática da falta de trabalhadores no turismo», lembrando que o último inquérito ao setor revela que 32% das empresas de alojamento e 67% de restauração já sentiram necessidade de contratar novos colaboradores este ano. E cerca de 78% das empresas de alojamento e 91% na restauração sentiram dificuldades no recrutamento.
A entidade recorre ainda aos dados do Banco de Portugal ao lembrar que, «no início da pandemia, o número de desencorajados (indivíduos sem emprego que, embora estivessem disponíveis para trabalhar, não procuraram ativamente emprego) aumentou em cerca de 150 mil, um aumento sem precedentes em termos de magnitude e rapidez».
Problema arrasta-se a outras atividades
Ao Nascer do SOL, o presidente da AICCOPN – Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas confirmou que a falta de mão-de-obra qualificada é uma realidade que afeta o setor. «Está identificada a falta de mais de 70 mil trabalhadores.
As empresas apontam mesmo este problema como o seu principal constrangimento e é preciso promover um matching entre a procura e a oferta de trabalho, já que não faz qualquer sentido coexistirem fenómenos como o desemprego e a falta de recursos humanos nas empresas», descreve Manuel Reis Campos.
De acordo com os dados relativos ao número de desempregados oriundos do setor da construção e imobiliário, registados nos centros de emprego do IEFP, em setembro passado, havia 30034 empregados ou seja, praticamente o mesmo número que se verificava antes da eclosão do surto pandémico.
«A economia e as empresas estão, gradualmente, a dar sinais positivos, com o setor da construção e do imobiliário a recuperar, globalmente, os níveis verificados antes da pandemia. Porém, esta é uma evolução que continua muito aquém do esperado ao nível dos volumes de emprego», afirma o líder da associação, defendendo «uma atuação efetiva no sentido de apoiar a capacitação das empresas e a reorientação da formação profissional, tirando partido dos centros de formação do setor», e deu como exemplo o CICCOPN – Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Norte e o CENFIC – Centro de Formação Profissional da Indústria da Construção Civil e Obras Públicas do Sul .
Também a indústria portuguesa de mobiliário depara-se com dificuldades em arranjar trabalhadores. «Estou a precisar de mais umas 40 pessoas, entre marceneiros, estofadores, maquinistas e serralheiros, mas não encontro, o que faz com que esteja a rejeitar encomendas e a prolongar os prazos para a entrega de outras», revelou ao Negócios o responsável do grupo Laskasas, que conta com três fábricas em Paredes.
A difícil tarefa de recrutamento estende-se ainda ao setor florestal e pedreiro. No caso dos empresários do setor florestal, a contratação de novos profissionais é agravada pela dificuldade das tarefas e a sua sazonalidade, ainda que um trabalhador chegue a ganhar 80 euros por dia, auferindo salários mensais que ascendem aos mil euros.
Já as empresas de extração de granito de Vila Pouca de Aguiar e de Boticas estão a recorrer a imigrantes, que abandonam o sul do país após deixarem o trabalho agrícola, para colmatar a falta de mão-de-obra em Vila Real.