Em plena campanha eleitoral para a CML foi lançado um livro com o título Lisboa Tem Solução!, da autoria do arquiteto Augusto Vasco Costa. Recebi-o em casa, enviado pelo autor, depois de várias peripécias envolvendo os CTT.
Dá-se o caso de Augusto Vasco Costa ter sido meu colega na Escola de Belas-Artes de Lisboa, embora não fôssemos do mesmo ano: ele andava um ano à minha frente. Mas só falámos pela primeira vez – pasme-se! – não nos corredores da Escola mas dentro do relvado de um campo de futebol.
A ESBAL tinha uma equipa de futebol que disputava o campeonato universitário, e ele era o líder desse grupo. Alto e bem constituído, jogava a guarda-redes. Eu jogava a defesa lateral, mas não era grande coisa. Jogava bastante melhor futebol de salão (hoje sinteticamente designado futsal) do que futebol de onze, que era muito mais exigente fisicamente (e eu não tinha grande físico).
Mas um dia, num jogo contra Agronomia, fiz um corte providencial – e o Augusto disse-me, do alto da sua posição de mentor da equipa: «Se continuares a jogar assim, ponho-te como titular!».
Não me lembro, porém, de ter disputado mais nenhum desafio. Os jogos eram à noite, no Estado Universitário, muito longe de minha casa – eu morava em Belém –, no inverno fazia ali um frio de rachar, pelo que acabei por desistir do futebol.
Entretanto formei-me, na ESBAL cada um foi para seu lado, e durante muitos anos não voltei a falar com o Augusto Vasco Costa nem a saber notícias dele. Nos anos 90 apareceu com grande aparato uma loja de decoração na zona de Santos cuja proprietária tinha exatamente o mesmo apelido: Conceição Vasco Costa. Vim depois a saber que era sua mulher.
Mas só muito depois reatámos relações… por email. Ele começou a escrever-me, em geral falando de ideias e projetos para Lisboa, e enviou-me uns artigos que foram publicados neste jornal. E a certa altura falou-me de um livro que estava a fazer. Foi esse que me chegou agora às mãos, com a tal afirmação na capa de que ‘Lisboa tem solução’.
Qual é a solução de Augusto Vasco Costa para Lisboa? Baseando-se em cálculos simples, diz ser possível resolver o problema da habitação «sem necessidade de mais empréstimos e endividamentos».
Para isso propõe um método que me pareceu algo utópico, ao que ele responde: «Apenas peço que me deixem experimentar, ainda por cima, disponibilizando-me para ser eu a investir! Disponibilizem-me um terreno ou prédio devoluto e o resto será comigo. Desde que quem manda assuma o compromisso de que as licenças serão dadas num mês e, como serviço público que é, esteja isento de impostos. Estes corresponderão às mais-valias que receberão no fim, como demonstro no livro».
E conclui: «Não é, levando 5 a 10 anos para me aprovarem um projeto, que conseguirei comprovar ou não esta minha sugestão».
Neste aspeto, o livro também é um libelo contra a burocracia camarária. Vasco Costa apresenta exemplos. Em 2000 comprou o Palácio do Alvito, no Largo do Conde Barão, em Lisboa, e propôs-se recuperá-lo. O palácio tinha amplos salões, com belos frescos, que o projeto de reabilitação preservava. Mas os entraves foram tão grandes que ele desistiu e voltou a vendê-lo. E o palácio lá continua hoje, quase em ruínas.
Além disso, através de múltiplos casos, o livro mostra como as promessas políticas são vãs, acabando sucessivamente em nada – esquecidas ou subvertidas. A CML é a primeira a não respeitar os planos diretores que ela própria manda fazer e aprova!
O autor apresenta ainda vários exemplos de trabalhos seus onde procurou pôr em prática a forma como vê a arquitetura: «Não imitemos o antigo. Estamos no séc. XXI. Tiremos o máximo partido das novas tecnologias e materiais, mas paralelamente respeitando a cidade, a escala humana das suas ruas, praças e bairros».
O final da frase tem toda a razão de ser: abundam os edifícios onde os autores pretenderam fazer os seus ‘objetos artísticos’, sem terem em conta o caráter ou a escala dos sítios onde se localizam. Em vez da humildade devida a uma cidade com história, os projetistas atuam muitas vezes com a soberba de quem pode fazer tudo e não tem de respeitar nada nem ninguém. Vasco Costa preferiu o caminho contrário. E com sucesso: foi distinguido em 1999 com o Prémio Eugénio dos Santos da CML para a reabilitação urbana. E nesta linha projetou os prédios da EPUL jovem para o Martin Moniz.
O livro – muito ilustrado, com fotografias, desenhos e plantas, escrito em português e inglês – mostra outros trabalhos do arquiteto: para o Vale de Santo António, para a Colina de Santana, para o Aterro da Boavista, para a Calçada das Necessidades.
Vasco Costa é um arquiteto que não se limita a teorizar – realiza projetos e, nalguns casos, faz tudo, funcionando como promotor do empreendimento e projetista: comprando o terreno, executando o projeto, construindo, e às vezes, com a colaboração da mulher, decorando os espaços.
Mas ao longo das 216 páginas fica muito claro como é difícil fazer qualquer coisa numa cidade como Lisboa. As teias da burocracia são tantas que acabam por asfixiar os mais audazes e empreendedores. Quantas boas ideias para Lisboa não ficaram já pelo caminho?
Aqui está um livro que Carlos Moedas deveria ler.