General emirati acusado de tortura vira presidente da INTERPOL

Al-Raisi é acusado dirigiu a repressão de dissidentes emiratis. A UAE terá abusado do uso de mandatos de captura internacionais.

Após a doação de 50 milhões de euros vinda dos Emirados Árabes Unidos (UAE), ao longo dos últimos cinco anos, um major-general emirati, supeito de estar envolvido em tortura, conseguiu um mandato de quatro anos como presidente INTERPOL, na quinta-feira. As tarefas de Ahmed Naser Al-Raisi, até agora inspetor-geral do ministério do Interior emirati, incluiam coisas como reprimir dissidentes, gerir tortura sistemática e torturas arbitrárias, denunciara um relatório do juíz britânico David Calvert-Smith, sobre a influência que a Emirados Árabes Unidos têm ganho sobre a INTERPOL.

Al-Raisi conseguiu 68.9% dos votos dos 194 países que fazem parte desta organização, apesar de se ter sentado no topo da justiça emirati. Aliás, é acusado de ter um papel crucial na detenção de Matthew Hedges, durante nove meses, em 2018. O académico britânico terá sido torturado pelas autoridades até confessar ser um espião.

“Durante meses foi mantido numa prisão á prova de som algures em Abu Dabhi, pesadamente drogado, em confinamento solitário e sem qualquer pista quanto ao seu futuro. Não lhe foi permitido acesso consular”, contou a mulher de Hedges, Daniela Tejada, citada pelo Guardian no início do ano, quando se soube que Al-Raisa era o candidato mais forte à liderar à principal organização dedicada a combater o crime internacional. “Preocupa-me terrivelmente que o homem que presidiu à detenção e tortura do meu marido agora esteja a ser considerado para dirigir a INTERPOL”.

Recorde-se que o caso de Hedges quase causou uma rutura das relações entre Londres e Abu Dabhi, enquanto o ministério dos Negócios Estrangeiros britânico tentava obter a libertação do académico. A longo prazo, não parece ter afetado as estreitas ligações entre estes dois estados – por exemplo, os Emirados Árabes Unidos continuam a ser o principal destino das exportações de armamento britânico, segundo a Campaign Against the Arms Trade. 

O problema não é só o sinal que a eleição deste major-general deixa a outras ditaduras, queixam-se analistas, mas porque os EAU têm sido repetidamente acusados de usar abusivamente alertas vermelhos da INTERPOL para visar dissidentes políticos. Algo que certamente se tornará mais fácil com Al-Raisi ao leme. Talvez seja o que explica porque é que os Emirados ofereceram 50 milhões à INTERPOL, tentando fazê-lo em segredo, através de uma fundação, sendo que a cota obrigatória anual de cada Estado membro é de apenas 231 mil euros.

Não é a primeira vez que um presidente da INTERPOL vira polémica. O cargo parece atrair personagens controversos, sendo que o antecessor de Al-Raisi, o sul-coreano Kim Jong-yang, tomou posse em 2018 para substituir o chinês Meng Hongwei, que fora detido pelas autoridades da China por aceitar subornos e acabou condenado a 13 anos e meio de prisão.