Assalto Otamendi. PJ afastou GNR do caso

Uma ‘guerra’ entre a GNR e a PJ atrasou a investigação ao assalto a Otamendi. Só na quinta-feira a PJ decidiu chamar a si todo o processo. Antes, a GNR investigava o assalto e a PJ o sequestro. A perseguição da GNR aos presumíveis assaltantes foi a gota de água na competição entre as duas…

Assalto Otamendi. PJ afastou GNR do caso

Por Felícia Cabrita e Vítor Rainho

Tudo começou umas horas antes da cena final. Quatro homens, devidamente encapuzados, fazem um buraco numa rede, atrás do campo de golfe 2, junto à Herdade da Apostiça, e dirigem-se à casa de Otamendi, jogador do Benfica, que ainda vinha a caminho, depois de ter jogado em Famalicão, onde o clube da Luz ganhou por 4-1. Os homens colocaram-se junto à garagem da casa do jogador, na Herdade da Aroeira, na margem sul, e aí se mantiveram até que o futebolista aparecesse. 

No interior da herdade, suspeita-se que outros cúmplices tenham entrado pela porta oficial do condomínio e tenham ficado escondidos. Quando o relógio já se aproximava da uma da manhã, de domingo para segunda, surge Otamendi à porta de casa e é, de imediato, manietado com um cinto, que lhe terá sido colocado à volta do pescoço. A partir daí, começava o terror. 

O jogador, já no interior da casa, terá sido colocado na casa de banho com um dos filhos e a mulher noutro compartimento com a filha, permitindo aos assaltantes andarem pela casa onde encontraram ‘milagrosamente’ cerca de trezentos mil euros, além de relógios e joias valiosas. Segundo fontes próximas do processo, a empregada responsável pelas crianças também estaria em casa.

Calcula-se que o jogador tenha demorado perto de duas horas até conseguir fugir da casa de banho, altura em que terá chamado um segurança, com quem terá feito os primeiros desabafos. De seguida chegou a GNR que terá recorrido às imagens internas da casa, que não estão, ou não estavam, ligadas a nenhuma central de segurança. A Polícia Judiciária só chegou de manhã. E outros problemas começam aqui, até porque, supostamente, Otamendi terá dito, no primeiro depoimento à GNR, que teve uma pistola apontada à cabeça. Se foi assim, a GNR só tinha de comunicar à PJ por se tratar de um crime de sequestro com recurso a armas de fogo.

Mas não foi assim. A GNR e a PJ não comunicaram logo entre si porque os militares da GNR entenderam que parte da investigação lhes pertencia – a do roubo. Tudo se agravaria umas horas depois, já que a GNR recebe uma informação de que os suspeitos estariam na zona de Porto Brandão. Os destacamentos da GNR de Almada, Charneca da Caparica e Trafaria avançam para o local e o resultado não foi o melhor, já que os presumíveis assaltantes conseguiram fugir. Pelo meio deixaram um Audi A4, além de um Mercedes branco. Logo, diz fonte ligada ao processo, o grupo era maior do que se suspeita.

Na terça-feira, o jornal i faz manchete com a notícia do confronto da GNR e, já depois das 16 horas, a PJ, pela primeira vez, é informada pela GNR que esta força terá feito uma perseguição a um Mercedes branco, na zona da Trafaria. Mas não foram comunicados pormenores importantes, nomeadamente, que tinham avistado os suspeitos, além de não terem chamado o grupo de operações especiais da própria instituição, já que estavam perante um grupo de assaltantes perigosos.

Na quarta-feira, a ‘mentira’ continuava. Tinha ficado decidido que a PJ trataria do caso de sequestro e a GNR do roubo, já que, oficialmente, não havia nenhuma arma. Para o comum dos mortais é de difícil compreensão que um caso destes seja dividido entre duas forças especiais.

No entanto, segundo fonte policial ouvida pelo Nascer do SOL, estes casos, apesar de não serem muito normais, podem acontecer: «Em teoria, se uma das investigações está mais adiantada do que a outra, não se juntam os inquéritos, que seguem em separado. Mas se as duas investigações estão no início convém juntar-se. Aqui, faz sentido ser a PJ a ficar com o processo. Porque se o crime da PJ não é da competência da GNR, como é o caso do sequestro, então o da GNR vai para a outra polícia. Até porque um dos crimes é mais grave do que o outro».

A história, como está bom de ver, não lembra a ninguém, a não ser aos atores de uma ‘guerra’ surda entre forças policiais. Mas recapitulemos para não perder nenhum detalhe: há um assalto à casa de Otamendi, a GNR é a primeira a chegar, depois do segurança da herdade, e observa as imagens caseiras de videovigilância do jogador, já que as mesmas não estão ligadas a nenhuma central.

Nessa manhã, e já passaram umas horas, a PJ chega e observa as mesmas imagens, não percebendo que há mais câmaras na herdade. Desde logo na entrada do condomínio que, supostamente, só filma matrículas, e as câmaras da zona comercial, que têm uma área muito mais abrangente, permitindo ver que carros entram na herdade e circulam por ali. E a GNR é que andava à procura destes vídeos, como contou um guarda ao SOL. 

O mais insólito é que havia mais imagens que só foram descobertas na quinta-feira, precisamente a das casas próximas que permitiram perceber a movimentação dos seis supostos assaltantes: quatro que entraram e saíram pela rede de Apostiça e os outros dois que estavam lá dentro.

Confusos? A PJ também assim o entendeu e na quinta-feira decidiu afastar a GNR de toda a investigação. Para que não fiquem dúvidas: a PJ e a GNR estiveram durante quatro dias a investigar a mesma história, mas em ângulos diferentes, até que na quinta-feira a GNR foi afastada do caso, embora esta força ainda não tenha desistido de investigar por sua conta e risco, como contou ao Nascer do SOL fonte militar.

Assaltantes corpulentos

A atuação dos assaltantes faz lembrar, em tudo, a de grupos estrangeiros que assaltaram jogadores no Reino Unido e em Espanha, como revelou o jornal i na edição de terça-feira. Corpulentos, falavam russo e espanhol.

Já na noite de quinta-feira, a Aprha – Associação de Proprietários e Residentes na Herdade da Aroeira – emitia o seguinte comunicado: «Só graças à segurança que implementámos na herdade, em conjugação de esforços com a Segurança privada dos jogadores do Benfica [ver caixa], conseguimos fornecer aos investigadores dados essenciais, nomeadamente que os assaltantes não entraram nem saíram pela portaria e que se dirigiram no sentido da rede da Apostiça. Por este facto passará a existir uma ronda no perímetro circundante da Aroeira». 

Há dois anos, os assaltos na Herdade sucediam-se a um ritmo impressionante, mas depois de mudarem de empresa de segurança baixaram consideravelmente. Só que a zona, além da herdade, tem muitas moradias isoladas, na Verdizela, Belverde, além da Aroeira, propriamente dita. Locais onde aconteceram outros assaltos na mesma noite.