Semeadores de ilusões

A subida dos salários não depende de uma pessoa, nem de um Governo, nem de uma qualquer entidade supranacional. Se fosse assim, seria fácil: fazia-se uma lei e os salários subiam.

Faz-me confusão a facilidade com que os políticos dizem coisas que não têm qualquer correspondência com a realidade.

António Costa não é um novato. É um político experiente. Anda na política desde a adolescência. Ora, no último domingo, a propósito da polémica sobre o aumento do salário mínimo, que se aproximou muito do salário médio, afirmava que a meta do próximo Governo (se ganhar as eleições, subentende-se) é exatamente «subir o salário médio».

Acontece que a subida dos salários não depende de uma pessoa, nem de um Governo, nem sequer de uma qualquer entidade supranacional. Se fosse assim, seria fácil: fazia-se uma lei e os salários subiam. 

Os salários dependem de uma coisa muito simples: da produtividade. É óbvio que, se o rendimento do trabalho de um trabalhador for alto, a empresa pode pagar-lhe muito bem; mas, se o rendimento for baixo e a empresa lhe pagar bem, depressa irá à falência. Qualquer pessoa percebe isto.

Mas então como se sobe a produtividade? – é a pergunta que vem a seguir. Ora, aí é que reside o grande problema. A produtividade não se sobe de um momento para o outro, com um estalar de dedos, porque depende de muitos fatores, culturais e não culturais: hábitos de trabalho e competência dos trabalhadores, capacidade de organização, disciplina, qualidade das chefias, tecnologia utilizada, investimento, capital disponível, etc. 

Quando se fala em ‘baixa produtividade’, a direita tende a pôr a ‘culpa’ nos trabalhadores (faltas por tudo e por nada, excesso de ‘baixas’ por doença, desleixo, etc.), enquanto a esquerda responsabiliza os patrões, dizendo que estes pecam por falta de qualificações e de competência. É uma discussão estéril. Uns e outros, patrões e trabalhadores, são produtos do mesmo ambiente cultural. São peças de um mesmo sistema. Portanto, as culpas são sempre repartidas e não são propriamente culpas – são ‘características’, dizem em boa parte respeito àquilo a que antes se chamava ‘massa do sangue’ (e hoje se designa por ADN) ou ao estado de desenvolvimento do país. 

Algumas empresas multinacionais conseguem contornar este problema à custa de um grande esforço. 

Atente-se na Autoeuropa. Aí conseguem-se produtividades superiores, até mais elevadas do que as das suas congéneres noutras geografias. Mas como? O investimento é estrangeiro, há mais capital, a tecnologia é de ponta, os métodos de gestão são importados de fora, as regras também, os gestores são com frequência estrangeiros, há formação regular dos operários (por vezes também no estrangeiro). Trata-se portanto de uma ilha, impossível de replicar em larga escala.

Por aqui se vê como será difícil fazer subir a produtividade no país inteiro.

Mas isto acarreta um problema para os países como Portugal que se inserem num mercado aberto. Se os salários não podem ser altos, porque a produtividade é baixa, a mão-de-obra mais qualificada tende a emigrar. Sendo o salário médio em Portugal metade do praticado em Espanha e quase um terço do da França e da Alemanha, a tentação de emigrar torna-se muito forte. 

Para contrariar esse fenómeno, algumas empresas sobem os salários. E isso gera desequilíbrios e desigualdades.

Que, aliados às pressões dos sindicatos e dos partidos de esquerda, conduzem à tão estafada situação que já ouvimos tantas vezes: «Estamos a viver acima das nossas possibilidades». 

É o que está a acontecer neste momento. Se formos ver, todos os países de Leste que nos ultrapassaram nos últimos anos têm salários bem inferiores aos nossos.

Ainda os ecos da troika em Portugal não se dissiparam por completo e já peritos internacionais começam a antecipar a ocorrência de problemas financeiros graves nos países do Sul da Europa, dadas as dívidas astronómicas que estão a acumular. Dentro em breve, dizem, vai ter de haver transferências maciças de fundos do Norte para o Sul. Mas até quando as populações do Norte suportarão essa situação recorrente?

Por tudo isto, é uma irresponsabilidade os políticos falarem numa subida de salários. E como António Costa sabe de cor e salteado tudo o que aqui ficou escrito, quando acena com a subida do salário médio não está a ser sério. 

Neste momento, o discurso político honesto só pode ser um: temos de aumentar a nossa produtividade (ou a nossa ‘riqueza’, falando em termos mais corriqueiros) antes de pensarmos em aumentos salariais. Fazer o contrário conduzirá mais uma vez o país à bancarrota, com as consequências que já sobejamente conhecemos. 

Fala-se muitas vezes na direita populista. Mas será esta mais perigosa do que uma esquerda que promete aquilo que sabe não ser possível dar, semeando ilusões que conduzirão forçosamente à frustração e à revolta? Como deverá chamar-se a esta esquerda?