Virar de página ou ‘vira o disco e toca o mesmo’?

No seu discurso de Ano Novo, Marcelo pediu um «virar de página» em diversas áreas, sobretudo económicas e sociais, mas as estrelas não se parecem conjugar para lhe fazerem a vontade.

Estamos em 2022 e a covid instalou-se e convive connosco todos os dias, sem dar tréguas no Natal e no Ano Novo para desespero de tantas famílias que se ansiavam juntar. Os responsáveis pela Saúde e também a OMS andam completamente atarantados, pressionados pela realidade da economia e da educação andarem em ‘palpos de aranha’, já sem saber se ainda nos confrontamos com uma pandemia ou se também a covid já ‘virou a página’ e se tornou uma endemia… 

Seja o que for, seja a estirpe a Omicron, a Delta ou a nova que agora se fala em França, a verdade é que as previsões de contágios para as próximas semanas são aterradoras, quer a nível nacional onde se preveem mais de 100 mil casos diários na semana de 17 janeiro, quer a nível internacional, em que atualmente os Estados Unidos somam já mais de 1 milhão de casos diários. Os hospitais vão voltar a encher, as escolas irão começar com a certeza de que as interrupções serão constantes, muitas das empresas irão continuar em teletrabalho e… a inflação vai paulatinamente crescer, depauperando os já exauridos bolsos dos portugueses.

Portugal nasce o ano de 2022 sob o signo das eleições legislativas, com previsões terríveis sobre os impactos da pandemia, em que se estimam cerca de 600 mil confinados e terá de se ser criativo na recolha desses votos. Seja porta a porta, seja ao incentivo ao voto antecipado, algo terá de ser feito ou a abstenção de 2019 (51,43%) irá subir com resultados imprevisíveis.

No seu discurso de Ano Novo, Marcelo pediu um «virar de página» em diversas áreas, sobretudo económicas e sociais, mas as estrelas não se parecem conjugar para lhe fazerem a vontade. Eu também acrescentaria um ‘virar de página’ na política, para vermos se ingressam novos políticos que tragam ideias revigoradas, por forma a que economia sofra um abanão e nos possibilite sair da ‘cepa torta’ em que nos encontramos desde há mais de duas décadas, como se vê pela perda de várias posições nos rankings europeus do PIB per capita.

Mas, infelizmente, não tenho ilusões para 2022. Temos um tecido populacional fortemente dependente do Estado, em que predominam muitos reformados (segundo o Censos 2021 temos o grave problema de existirem 182 idosos para 100 jovens) e demasiados funcionários públicos, dos quais cerca de 70 mil admitidos após a ‘geringonça’. Assim, torna-se particularmente difícil sensibilizar uma população com estas características de que ou mudamos rapidamente de políticas públicas ou continuaremos a estagnar, senão mesmo a definhar. O Estado continuará a engordar todos os anos e os nossos rendimentos serão sugados por uma máquina fiscal impiedosa e voraz, alimentada pela criatividade dos partidos de esquerda como único recurso para financiar a crescente despesa pública.

Se dúvidas tivesse, estes debates vieram colocar a nu a fragilidade generalizada dos atuais líderes políticos e sobra a descrença que tenham capacidade de gerar políticas públicas que possibilitem a esperança do «virar de página» que Marcelo tão bem preconizou, por forma a fomentar o crescimento económico, absolutamente essencial para Portugal, até como motor da recuperação social.

Estes líderes, quiçá pelo modelo adotado de debates de curta duração, frente-a-frente, aparentam ser, na sua maioria, gladiadores, debitando repetidamente sound bites populistas, entre (i) ataques que pouco ou nada acrescentam, mas que muito se ufanam; (ii) promessas, sobretudo de distribuição generosa de benesses, ou (iii) palavras vãs de conteúdo. Admiram-se que as aferições de share nas televisões confirmem que os eleitores prefiram ver telenovelas ou o novo Big Brother dos famosos?

Sou acérrimo crítico deste modelo de debates que considero factualmente inúteis. Apesar de objetivamente curtos, suscitando fundamentadas críticas de como poderão em tão pouco tempo esclarecer a população, acabam por ser, na sua maioria, demasiado longos, porque cansativos e desinteressantes, com questões perfeitamente laterais ao interesse coletivo. Em suma, entendo que nem sequer incentivam a população a ir votar. 

Na minha opinião, seria claramente preferível fazer apenas 3 ou 4 debates, com presença alargada dos principais partidos, mas, essencialmente, monotemáticos para as grandes questões nacionais, como:

• uma discussão séria sobre a saúde e o estado atual do SNS;

• sobre a Educação, a falta de professores e a necessidade de exigência no ensino;

• como resolver a inexistência de mão-de-obra para trabalhar no turismo e restauração, na agricultura ou na construção (ver excelente reportagem do Observador); 

• sobre a fiscalidade asfixiante para privados e empresas que limita o consumo e o investimento; ou 

• como estimular o investimento estrangeiro em Portugal. 

Para agravar o problema, 2022 não parece muito animador a nível internacional, com crescimentos económicos que dificilmente podem ajudar a nossa economia (além do risco da inflação, um permanente cutelo sobre a dívida pelo efeito nas taxas de juro). Em suma, estamos com a sensação de que apesar do PRR e dos seus milhões que iremos receber, não seremos capazes de fazer crescer sustentadamente o PIB por forma a recuperar posições entre os países da União Europeia, por muito esforço que o setor privado, sobretudo exportador (sempre este!), venha a fazer.